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domingo, 24 de maio de 2015

Inhame. Suco de Inhame faz mal?

Suco de inhame cru. Vai encarar?

Fui vítima do suco de inhame. Fiz como mandava a receita, que encontrei com facilidade na Internet. Pela curiosidade, tomei só um gole. Na hora senti meu lábio formigar. Ignorei e engoli. Senti uma "pinicância" na garganta, que em poucos minutos virou uma irritação persistente. Tive uma digestão esquisita e fiquei com isso na cabeça. Será que o inhame CRU faz bem?


Refleti muito antes de elaborar esse texto. Consultei amigos, nutricionistas, farmacêuticas, engenheiros de alimentos e médicos antes de escrever qualquer coisa. Eu acredito que ter certeza sobre o que você afirma é uma prova de credibilidade. Eu me permito ser questionado sobre qualquer coisa que escrevo aqui porque pesquisei, muito, e posso citar quais pesquisas e quais as bibliografias que eu usei.

E assim, comecei a ler mais sobre o suco de inhame. 

Primeiro, vamos às explicações de nomenclatura. Dois legumes aqui no Brasil são chamados de inhame, mas já existe uma nomenclatura para diferenciá-los. O que você conhece como cará na verdade é um inhame, e o que se conhece como inhame, é o taro. A Neide Rigo, inspiradora como sempre, já escreveu sobre essa confusão. Confira aqui.

Nota: o inhame que tratamos aqui é também chamado de taro. Não confundir com o cará. Aqui, nos referimos como inhame ao taro, ou Colocasia esculenta.


O inhame, ou taro. Colocasia esculenta.
Desse que estamos falando!
As folhas do inhame, ou taro. Colocasia esculenta.
Cará, ou inhame. Dioscorea alata. Não estamos falando dele.
Folhas do cará, Dioscorea alata.

Odeio títulos sensacionalistas, mas essa história do suco de inhame... ah, por onde começar? Jogue no google "suco de inhame" e os resultados vão indicar palavras como "milagroso", "desintoxicante", "fortificante". O fato é que a moda do suco de inhame veio pra ficar. 

As promessas são muitas, e na moda dos "sucos revitalizadores", até o inhame entrou na dança. Tem cor neutra, sabor neutro e acompanha bem a maioria dos sabores, porque seu aroma é inócuo e abraça qualquer complemento. A notícia se propaga, a moda se forma e ninguém questiona. No final das contas o inhame cru faz bem?

Você toma suco de inhame? Onde você viu que faz bem? Fiz essa pergunta a todos que alegam tomar o suco de inhame e tive como resposta que "ouviram dizer" que fazia bem. O fato é, após pesquisas exaustivas, não descobri o criador desse "elixir" feito de suco de inhame. Essa receita, que em geral inclui suco de maçã e gengibre, é propagada como um viral na internet, um verdadeiro meme, mas ninguém sabe dizer ao certo quem começou com essa moda. Será mesmo que foi alguém que tinha certeza do que estava fazendo?

Você me diz: "mas eu tomo suco de inhame todo dia e me sinto bem". Verdade. Tem pessoas que fumam, bebem coca-cola e comem bacon no café da manhã e se sentem ótimas. A questão não é o que você sente agora, mas o que acontece no seu organismo, silenciosamente. E o que pode acontecer a longo prazo.

Tem gente que realmente acha que vivemos uma grande manipulação da industria farmacêutica, que na realidade o inhame é milagroso e a indústria não quer que você saiba - afinal, você precisa estar sempre doente para que seja um consumidor fiel às grandes corporações farmacêuticas. Eu concordo em parte com isso e acho um horror as criancinhas assistindo propaganda de remédio na TV como se fosse normal curar os sintomas de um problema sem procurar a causa. Que existe pressão da indústria sobre determinadas curas ou pesquisas, não duvido que haja, mas será que não há nenhuma comprovação dos benefícios do consumo a longo prazo do inhame cru apenas porque a indústria não quer? Se quiser comer, como tanto tem sido falado por aí, para turbinar o organismo no tratamento de gripes, dengue ou chikungunya, faça, mas cozido.

Fique à vontade para procurar artigos sérios sobre o uso do inhame cru. Não falo de revistas de saúde, de dieta ou de terapias alternativas. Falo de estudos de caso feitos por cientistas, com metodologia e resultados. O que me chocou: pouco, na realidade, nada, sobre o uso contínuo do suco do inhame cru. (E não, inhame (taro) em inglês não é yam. Esse é o cará.)

Na mídia, existem matérias com foto do inhame falando dos benefícios do inhame cru, como seu conteúdo de diosgenina. Se você pesquisar um pouco, vai descobrir que o inhame (taro) não tem diosgenina. Quem tem é o cará (também chamado de inhame). Ou seja, as reportagens fazem confusões absurdas, mas nós, de boa fé, acreditamos. Duvida? Olha esse texto aqui. A fonte não é séria, claro, mas é mídia, e muita gente acredita. (E não, o inhame não é parente da batata doce e do cará.)

O inhame (taro) deve ser sempre consumido cozido. Mesmo que não irrite as mãos e a boca (como é recomendado aqui), e que tenha um teor não tão alto de oxalato, ele contém outras substâncias perigosas que agem como compostos antinutricionais. Ele possui inibidores de proteinase, fitatos, taninos e glucosídeos cianogênicos - todos compostos que são em boa parte destruídos durante o processo do cozimento. Mas estão presentes no legume cru. Ou seja, mesmo não pinicando, essas substâncias vão sobrecarregar seus rins, atrapalhar sua digestão e intoxicar seu corpo. Opa! A proposta não era desintoxicar?

A intoxicação por oxalatos está relacionada com problemas como pedra nos rins, "gota" e irritação da mucosa do intestino. Isso se você não for sensível aos seus compostos e não tiver nenhuma reação adversa, como a que eu tive, no primeiro gole. A longo prazo, os fitatos e os oxalatos atuam como inibidores da absorção de cálcio, podendo contribuir para o desenvolvimento de osteoporose. "Ah, mas tem alguns inhames que pinicam mais do que outros". Hum, você realmente quer acreditar que o suco cru faz bem, né?

Não vou questionar a credibilidade de quem divulga um tratamento sem ter indicações precisas dos efeitos colaterais e do consumo a longo prazo, o que é no mínimo irresponsável. Ainda mais se for em rede nacional. Mas, querido leitor, prometa que vai questionar as coisas que você ingere?

O inhame é um alimento maravilhoso. Rico em zinco, cálcio, ferro e fósforo e com grande teor de vitamina B, deve sim ser consumido como um alimento especial, nutritivo e gostoso que é. Mas cozido, por favor. Faça assado, faça gnocchi, faça bolinho, faça tortas, faça pizzas, faça gratinado, faça no vapor. E plante inhame, que a planta é linda.

Plantação de uma variedade de inhame no
Hortão da Casa Verde.

Aliás, sei que essa postagem está enorme, mas fica usa sugestão deliciosa de suco de inhame. Cozido claro. Um milk-shake. Bata inhame cozido, sem casca e ainda morno, com leite gelado, até chegar na consistência que você deseja. Pode ser leite de vaca ou um delicioso leite vegetal. Você pode aromatizar com baunilha, macassá, cumaru, canela, banana, cacau, morango, coco... Adicione uns cubos de gelo e bata bem, e adoce. Fica incrivelmente cremoso, leve, saboroso e de quebra, você aproveita todos os benefícios do inhame. Se deixar no congelador e misturar bem de hora em hora, vira um sorvete cremoso. Só não chame de detox, heim?

quinta-feira, 21 de maio de 2015

Bertalha na Janela. Verde atrai verde. Varanda PANC.

Comecei a nossa conversa sobre a Bertalha na Janela no final de fevereiro. Tudo começou com uma batatinha que coloquei num vaso que estava ocioso.

Em fevereiro
Sim, ela cresceu rápido. Abril de 2015.


Em Maio de 2015, com flores.
Nesses tempos, muita coisa mudou na varanda. Antes, era raro ver um passarinho voando por aqui, e agora há beija-flores quase todo dia passeando pela varanda. Na foto eles não saem porque minha câmera não é a ideal, eles se transformam em borrões azulados.

Não dei muita atenção para a planta e ela foi tomando a frente da varanda, sem muito controle ou intervenção. Apenas pegava os galho que tentavam crescer na janela do vizinho e ia reinserindo no mosaico da moita, e ela foi se enredando, com en el muro la hiedra. 

Verde atrai verde. É interessante como uma simples planta aumenta nossa percepção de cuidado, de responsabilidade. Pelo tamanho que ela tomou, num vaso tão pequeno, a rega precisa ser religiosa, metódica, ritualística. E sinto que ela gosta de conversar, ela me chama. Fico ali, parado, imaginando quanta energia tinha dentro daquela batatinha, quanta vida está nas pequenas coisas, esperando pra se espalhar, pra irradiar. A mesma sensação boba que tenho quando vejo uma pequena semente de uma grande árvore. 

A sazonalidade se faz ver. Os dias mais curtos, o frio chegando, de uma semana para outra ela parou de fazer brotos. A natureza veio e soprou-me no ouvido: o outono chegou. Agora é hora de fazer reservas, para o frio, para o inverno. Dos brotos que estava surgindo, pequenos bulbos começaram a aparecer, inchados, indicando que a planta está se precavendo, fazendo reservas, pensando na prole. Mas o melhor estava por vir. 

Das folhas, tenho dó de colher, mas sei que no inverno a planta seca e os bulbinhos despencam nas ventanias, esses eu hei de colher. Outros, vou usar pra me nutrir, outros, eu vou nutrir com mais terra, com mais composto, com mais ciclos. E fazer uma nova parede verde da minha varanda, pra total estranhamento dos vizinhos, que tanto adoram um concreto (os jardins aqui do prédio são relativamente abandonados, veja só).

E se não fosse pouco, flores. Inúmeras, perfumadas, melíferas, albas, estreladas, aromáticas. A sorte de ter flores em casa. Agora me diz, não são esses pequenos prazeres que revigoram a gente, nos conectam?

Flores em profusão. Chegou o inverno, e as abelhas.

Cada uma, uma estrela, uma galáxia, o universo inteiro.

A varanda mais bonita da cidade.

sexta-feira, 15 de maio de 2015

Aipo-Silvestre, e um pão com ele.

Folhas finíssimas, aipo silvestre.

Por acaso o amigo Lucio Tamino me lembrou de uma planta que eu achava ter postado, mas ainda não tinha escrito sobre, aqui no blog. Uma planta alimentícia não convencional bem comum dessa época do ano, o aipo-silvestre. As folhinhas são delicadas e perfumadas, lembram salsa, cominho com um toque verde cítrico. Com um pouco de imaginação, lembra o dill, uma erva muito usada na culinária do leste europeu. Por acaso, a praça aqui da minha rua estava repleta delas. E fui ficando com ideias.

O aipo-silvestre é natural do Brasil, com ocorrência em ambientes mais úmidos e férteis, especialmente os quintais e hortas. É fácil reconhecer, porque possui as folhas mais finas que você já viu. Se você tem o hábito de ir à feira, as folhas vão lhe remeter às da erva-doce ou funcho - de fato, são aparentadas. O Cyclospermum leptophyllum é de crescimento fácil e você não terá problemas em encontrá-lo no outono inverno.

O nome aipo-silvestre indica que é parente da salsa, do coentro, do salsão e do cominho. Porém, é chamada de mentruz ou mastruço, gerando confusão com as demais espécies que possuem esse nome popular. Na dúvida, olhe e cheire, o aroma é inconfundível. E todo mastruço é comestível, pelo menos os que eu conheço.

Nascendo junto com a guasca.
Além de seu uso como tempero e como hortaliça, suas folhas fininhas são uma decoração excepcional para pratos. As sementes são parecidas com o cominho, porém com um sabor característico. Especiaria típica do Brasil, deveríamos aproveitá-la mais, porque possui um potencial muito grande como especiaria aromática. Basta secá-las à sombra por alguns dias e guardar em frasco bem vedado. A erva seca perde parte de seu sabor, prefira-a fresca.

Para fazer mudas, colete as sementes maduras que surgem em profusão na ponta das ramas, e semeie em solos férteis e úmidos, em locais mais sombreados. Ele merece um cantinho na horta! 


As flores brancas dão lugar às sementes.
Hoje foi um daqueles dias em que eu queria apenas um pão quentinho para perfumar a casa e brincar com o paladar. Quando eu morei com a minha irmã, em Dublin, éramos apaixonados por uma receita caseira de pão georgiano, chamado khachapuri. Para você imaginar o que se trata, imagine o casamento entre uma massa fofinha de pão, mas redondo e assado igual uma pizza. Na verdade, o khachapuri pode ter vários formatos, sendo o em forma de barca o mais difundido fora da Georgia, com um ovo aberto em cima. O meu é uma adaptação, um formato caseiro e simples pra você que como eu não nasceu na Georgia e não manja dos macetes de fazer o formato correto. A inspiração é o იმერული ხაჭაპური (não faço ideia de como se pronuncia), típico da região imeretiana.

Juntando a abundância do salsão-silvestre mais a vontade de comer um pão quentinho, resolvi fazer um khachapuri de provolone temperado com salsão silvestre. A receita é fácil, e eu adaptei daqui. (Vale à pena olhar o link, porque as fotos estão bem instrutivas).

Sirva com uma saladinha simples, essa foi de tomate com azeitona.
Khachapuri com Aipo Silvestre (4 pães)

Ingredientes
2 xícaras de farinha de trigo
1 pote de iogurte integral + 1 colher de sopa de azeite
1 colher de sobremesa de açúcar
1 colher de café rasa de sal
1 colher de chá cheia de bicarbonato de sódio peneirado. (não serve fermento em pó)

Recheio
200gr aprox. de provolone picado finamente
50 gr de queijo fresco amassado
1 colher de sopa cheia de requeijão
4 col de sopa de aipo silvestre picado finamente
2 folhas de cebolinha cortada finamente
1 colher de sopa de cebola ralada

Recheio:
1 - Homogeinize todos os queijos, de modo que não fique pedaçudo, e sim um creme o mais liso possível. Por fim, adicione os temperos e misture.

Massa:
1- Misture os ingredientes secos numa tigela. Adicione o iogurte e o azeite. Misture com uma colher, e assim que ficar duro, misture com as mãos, sovando o mínimo possível. Se ficar grudento, adicione 1 col de sopa de farinha.
2- Deixe descansar por 15 minutos.
3- Divida em 8 partes iguais a massa. Abra a massa em formato circular com um rolo, numa superfície enfarinhada. Coloque o recheio e espalhe pelo meio do disco. Cubra com outro disco de massa e pressione para tirar o ar.
4- Sele as bordas e vire todas para o mesmo lado, igual uma pizza. Passe o rolo delicadamente para homogeneizar o recheio, com cuidado para não rasgar ou vazar o recheio.
5- Coloque um a um numa frigideira aquecida, em fogo alto, até dourar. Vire delicadamente com uma espátula. Ao acabar de cozinhar, pincele azeite ou manteiga. Coma imediatamente.

Dica: cuidado para a massa não rasgar e o recheio vazar e estragar a receita. Asse em fogo alto, rapidamente, ou a massa fica borrachuda. Por fim, não deixe a massa repousar muito tempo, ou ela fica escura e a textura fica estranha.

Recheio: queijo branco, provolone e requeijão,
 temperado com cebolinha e aipo silvestre.

A massa precisa descansar apenas 15 minutos. Nesse tempo,
o bicarbonato reage com o iogurte e a massa cresce.

Adicione o recheio no meio, cubra com outra folha
e espalhe com as mãos. Finalize dobrando as bordas delicadamente
para o recheio não vazar.
Nada de forno - a massa vai pra frigideira quente até dourar, um lado
de cada vez. Depois recebe uma pincelada de azeite, pra não ressecar.

domingo, 10 de maio de 2015

Mamão verde, na moqueca.

Não sei se já contei, mas passo mais da metade do dia pensando em receitas. É uma coisa meio obsessiva, a ponto de ter que levantar de madrugada para anotar um prato que me ocorreu num sonho - fora as vezes que não consigo dormir e tenho que levantar pra preparar a bendita receita. De fato, eu cozinho bastante em casa, mas como nem tudo é PANC, guardo as receitas para mim. Essa, no caso, leva um uso não-convencional para o mamão verde: como legume.

Conversando com minha fiel escudeira de oficinas Clarissa Pires, que contou-me de uma moqueca maravilhosa que inventou esses tempos, despertou em mim a curiosidade de prová-lo. Como ela não me passou receita, fiz a olho, mas como principal fio condutor tivemos o mamão verde.

Às vezes uma fruta pode ser usada como legume.

Pois é, já deve ter ouvido falar do mamão verde em doces e compotas, mas seu uso como legume ainda é pouco comum. Ralado, cru, em tiras finíssimas, compõe saladas fantásticas, sendo um prato muito popular na Tailândia, chamada som tum. Para minha surpresa, o sabor lembra muito o da abobrinha, e não tem nada de fruta, de doce ou de perfume. Crocante igual maçã, de sabor suave e levemente ácido. Como não pensei nele antes?

A casca deve ser verde, ele deve estar duro e a polpa ainda deve estar branca e crocante. Acho improvável você conseguí-lo nesse estado de maturação em algum mercado, mas pode pedir para algum vizinho ou mesmo para o produtor. Algumas receitas o usam já mais maduro, levemente rosado, como nessa aqui.

Lá em casa temos um mamoeiro cujos mamões não são muito bons - ele apodrecem antes de amadurecer, porque estão muito altos para serem cuidados e alguma praga estranha está acabando com eles. Porém, verdes, estão lindos e suculentos, e a produção é abundante, então é hora de comer mamão verde. 

Ele solta esse látex, que precisa ser lavado.

Antes da receita, falemos dos benefícios para a saúde. Primeiro, ele é um legume pobre em calorias e rico em propriedades medicinais. Possui vitaminas e minerais como magnésio, cálcio e potássio, mas não possui o betacaroteno, que lhe confere a cor laranja quando maduro. Contém teores altos de carpaína, uma substância bactericida e antiinflamatória que ajuda a regular a flora intestinal, melhorando e fortalecendo a nossa imunidade. Tem ainda enzimas proteolíticas que ajudam na digestão, sendo ideal para acompanhar pratos pesados com leguminosas ou carnes. Ajuda a proteger o fígado e de quebra fornece uma dose extra de fibras e amido insolúvel, ajudando quem tem intestino preso. Ainda, possui uso externo, para tratar úlceras crônicas e como coadjuvante em tratamento de feridas - é bactericida e suas enzimas ajudam a remover a pele morta, auxiliando a limpar o local e estimulando uma cicatrização sadia. 

Para preparar, é simples. Descasque-o como se fosse uma batata, tendo o cuidado de remover a casca verde. As sementes podem ser retiradas opcionalmente - eu não gosto do sabor. Deve ser picado no tamanho desejado e deixado de molho em água com algumas gotas de vinagre para remover qualquer sabor amargo residual - a casca solta um látex branco que pode alterar o sabor do prato.

Depois de descascado, pode ser usado como legume.
Caso esteja levemente amargo, água com vinagre
vai deixá-lo perfeito.

A partir desse processamento, pode ser consumido cru, na salada, ou usado no lugar da abobrinha e do chuchu em sopas, tortas, refogados, omeletes, suflê. Cortado fininho fica bem gostoso com cenoura ralada. No suco verde fica neutro e serve de base para qualquer sabor, e é uma alternativa à maçã, que dificilmente não tem agrotóxicos (isso é, se você colher seu próprio mamão orgânico, porque possivelmente não vai colher a sua própria maçã orgânica nesse país tropical). Cozido e temperado com azeite e sal fica ótimo também, um substituto do chuchu, porém mais firme depois de cozido.
Para doces, pensei em cubinhos cozidos no arros doce, ou transformado em geléia, purê, compota... É uma boa opção para fazer render compotas quando temos poucas frutas ou ela é muito forte - como fazer uma geléia de gravatá, que é muito forte, mas pode ser suavizada com o mamão. Ou ainda com cascas de jaboticaba, de pétalas de rosas.... teste e me conte.

A receita que fiz não é exatamente uma moqueca - ela tem a base de sabor das sopas tailandesas, à base de leite de coco, gengibre, coentro, erva-cidreira e limão. Parece bizarro, mas essa combinação explode na boca! Como eu tinha cará-moela roxo em casa, o usei, mas você pode usar qualquer outro legume rico em amido, como batata, inhame, cará ou mandioquinha.

Moqueca de mamão verde ao tempero tailandês


Legumes cozinhando. O cará-roxo soltou tinta e deixou a
 receita colorida, mas o tradicional é ter um caldo bem branquinho.

Sirva com pimenta e uma folhinha de coentro.
 Eu usei manjericão tailandês e pimenta vermelha em pó,
para paladares picantes.
Ingredientes:

1 mamão verde, sem casca nem sementes, em cubos
1 cebola grande, em cubos pequenos
1 cenoura média, em cubos
1 cará-moela roxo, em cubos (pode ser batata, inhame ou cará)
2 cm de gengibre ralado (ou raiz de galanga, caso tenha em casa)
2 alhos grandes, espremidos
2 folhas frescas de capim-santo
5 colheres de sopa de coentro picado
suco de 1 limão
500 ml de água
castanha de cajú a gosto
1 colher sobremesa de açúcar
1 pimenta suave em rodelas (opcional)
1 garrafinha de leite de coco
sal e óleo a gosto

Preparo

1 - Prepare o mamão, descascando-o, cortando em cubos e deixando de molho por 1h. Descarte a água.
2 - Pique todos os ingredientes, mantendo os legumes com o tamanho parecido, para o cozimento ser uniforme.
3 - Numa panela grande, adicione um fio de óleo e refogue cebola.
4- Assim que estiver transparente, adicione o alho e o gengibre. Adicione a água, o capim santo, 3 colheres de coentro, a cenoura, o cará-moela e o sal e cozinhe por 5 minutos em fogo baixo.
5 - Quando os legumes começarem a amaciar, acrescente o mamão verde, o leite de coco, o suco de limão, o açúcar e misture. Tampe a panela.
6 - Deixe ferver lentamente para que os legumes amaciem e cozinhem. Se faltar caldo, adicione mais água. Se estiver com muito caldo, deixe aberta para secar um pouco.
7- Um pouco antes de desligar, com o caldo ainda borbulhando, adicione o resto do coentro, castanha de caju torrada e a pimenta. Corrija o sal. Se desejar, acrescente mais limão. Enfeite com rodelas de pimenta, coentro ou cebolinha.

Pode ser servido como prato único, porém combina divinamente com arroz integral e legumes grelhados ou couve-flor empanada e frita, ou ainda acompanhando um pão indiano naan quentinho com manteiga.

quarta-feira, 6 de maio de 2015

Desidratador caseiro de baixo custo. (e tosco)

Imagine poder aproveitar melhor a safra das frutas do quintal, removendo a sua umidade e mantendo-as para o ano todo. Na Europa isso é muito comum, seja na forma de geléias, compotas e passas. Aqui no Brasil, terra da abundância, temos tudo à nossa disposição o ano todo, e acabamos desperdiçando. E se fosse possível armazenar?

Aqui em casa, num surto de empolgação de madrugada, peguei o que tinha à mão e construí um desidratador caseiro. Ele serve para tirar umidade das frutas, aumentando seu tempo de vida - igual se faz com a uva-passa e tantas outras. Para isso, você vai precisar de uma caixa grande e limpa; de palitos compridos e limpos; de um soquete e uma lâmpada, além de um bom termômetro.

Com ele, você poderá desidratar coisas que já não são naturalmente úmidas, como polpa cozida de pinhão ou cascas de jabuticaba, por exemplo. Não testei para coisas muito úmidas, como tomates-cereja, mas pode ser que funcione, se houver a instalação de uma ventoinha para a circulação do ar.

Na verdade, se você tem acesso a bastante sol, pode fazer um desidratador solar. Eu moro em apartamento, e então faço um elétrico. Veja o que compensa - e faça.

O meu é uma adaptação infinitamente tosca desse daqui. Na realidade, ele serve para os botânicos desidratarem amostras de plantas para colocar em herbários, mas o conceito é o mesmo; 



Primeira coisa, desculpas a aqueles que gostam de coisas bonitas, simétricas e alinhadas. Esse forno foi experimental e não foi muito planejado - foi "filho fruto da paixão, não do planejamento" (como diz a Carmem Sampaio, do Hortão da Casa Verde).

Funciona da seguinte maneira: consiga uma caixa de papelão firme, abra e limpe bem com um pano seco, para tirar o pó. Na frente, você fará uma abertura, como a de um forno, para ter uma "porta". Pode colar um puxador ou usar um clipe aberto, como eu fiz. Dentro, prenda com arame ou fio firme o suporte para o soquete (daquelas luminária de parede, bem simples), e faça um furo para que o fio passe para o lado de fora da caixa. Você deve usar uma lâmpada incandescente acima de 60V. Na parte de cima, use palitos, e se não tiver, faça furos com uma faca e passe tiras de papelão, para formar uma trama que segure as frutas. Caso não fique bom (o que aconteceu comigo), você pode forrá-la com papel manteiga ou alumínio bem furadinho com um garfo, para o ar passar. Na base da caixa, faça orifícios quadrados ou redondos por onde o ar vai entrar. 

Que coisa linda, que coisa simétrica, que coisa bem-feita.
Como funciona: ao ligar a lâmpada, ela aquece o ar da caixa. O ar quente fica leve e sobe, criando um fluxo. O ar frio entra pelos furos na base da caixa e sai pelo topo da caixa, levando a umidade consigo. A lâmpada deve ficar bem ao centro e longe das bordas de papelão, caso contrário, você pode colocar fogo na casa. Aliás, essa caixa é possivelmente incendiária, então, sempre que ela estiver ligada, fique por perto.

Visto de frente: Câmara interna, mais quente.

Visto de cima: Câmara superior. Demora mais, mas circula
mais ar. Ou ao menos, é um abajur pós moderno.
Visto de cima, a treliça de papelão e a lâmpada.

As frutas podem ser colocadas em dois locais: numa forma, na base, dentro do "forno", ou apoiada na treliça do andar superior. Dentro do forno seca mais rápido,m porém perde mais aroma, enquanto na parte de cima, seca mais devagar e as passas não ficam tão secas. A temperatura interna chegou a 50°C, e as passas de uva-japonesa demoraram umas 36h para ficarem secas. Frutas mais úmidas devem demorar mais, frutas sem sumo devem demorar menos. Faça os testes e me conte.

Desidratando as uvas-japonesas. Leia mais sobre ela AQUI.

1 Colha, remova os galhos grossos e as uvas feias.
2 Lave bem, deixe de molho por 5 minutos em água, depois adicione umas gotas de cloro, aguarde mais 5 minutos e enxague abundantemente.
3 Seque bem com um pano seco e coloque no desidratador.
Após 24h está levementne seco e após 36h, fica pronto para ser conservada.

Passas frescas, recém-colhidas.

Passas secas por 36h.




segunda-feira, 4 de maio de 2015

Uva Japonesa. Coma-a antes que acabe.

Dedinhos de uva pendurados na árvore.

Uva Japonesa. Não é uva nem necessariamente do Japão, embora seja asiática, introduzida há mais de um século aqui no Brasil. Eu lembro de tê-la comido quando criança, colhida no parque do Piqueri, no Tatuapé, ainda muito pequeno - tão pequeno que lembro de pegar as frutas dos galhos secos, estando sentado nos ombros do meu pai. Mas não lembro se gostava do sabor ou se apenas me divertia nas alturas, com a cabeça entre as folhas.

Você certamente já pisoteou uma uva-do-japão, especialmente essa época do ano, porque elas despencam das árvores e lotam as calçadas com seus dedinhos marrons. Eu fico aqui imaginando quem teve a ideia de prová-la pela primeira vez. Além do formato um pouco suspeito, se colhida diretamente do pé é adstringente e amarra a boca igual caju imaturo. Mas depois que cai, literalmente, de madura, fica rica em açúcar e sabor.

Não pareço, mas sou incrivelmente apetitosa.
A uva-japonesa (Hovenia dulcis) é uma árvore com porte médio de 10 metros, chegando até a 30 metros, imagine. Gosta de climas mais frescos no inverno, então é mais comum no sul e sudeste do país, embora acredito que cresça definitivamente em qualquer lugar. Mas é bem comum em Curitiba e São Paulo, por exemplo. Ela perde as folhas agora no outono, um sinal de que os frutos estão maduros. O fruto mesmo é a capsula na ponta dos "dedinhos", que contém as sementes marrons, que postas para germinar produzem mudas rapidamente - eis a razão de a árvore ser uma forte invasiva nas nossas matas, competindo com nossas plantas. O que se come é o pedúnculo do fruto, carnoso, crocante e doce. Ou seja, os dedinhos.

O nome uva-japonesa, acredito, é pela semelhança do sabor da fruta com a uva-passa. Para mim, vai além da uva passa, com um toque de pera e um sabor final de nozes. Coisa ruim não é. Todo mundo que eu saí distribuindo a fruta ficou deslumbrado, porque tem um sabor natalino, frutado, de coisa boa. Doce, muito doce. Mas é preciso superar a aparência - assemelha-se a um apanhado de dedinhos marrons. E se for colher, não pegue do chão, né? Veja se não caiu num gramado, sobre alguns arbustos ou coisa do tipo. E lave antes de comer.

Na capsula na ponta do fruto, duas sementes marrons,
bonitas, de grande poder germinativo. Cada árvore produz
milhares de sementes por safra.

Na medicina chinesa, é usada como laxativa e muito famosa por proteger de ressaca e de bebedeiras. Ela, de fato, reduz a absorção de álcool pelo corpo, ajudando o fígado a se desintoxicar, devido a seus altos valores de hovenitina e ampelopsina. Aliás, esse uso só é válido se consumida momentos antes da farra. Na dúvida, não abuse, nem da bebida, nem da fruta.

Ah, esqueci. As flores são perfumadas e melíferas, e um relatório da Embrapa indica que é visitada por Apis e Meliponas. Ou seja, as abelhas adoram. O curioso é que a Embrapa fala do uso da madeira, mas pouco fala do recurso "fruta".

Colhi muito, mais de 2 quilos, em apenas uma tarde no Ibirapuera. E se quisesse, teria mais pra levar, muito mais. Quilos, baldes, imagino. Um recurso totalmente negligenciado. Pra preparar, dá um certo trabalho - é preciso colher os frutos um a um e tirar as sementes da ponta de cada fruta - o que pode ser um trabalho longo se você não tiver prática. Eu arranquei as sementes que consegui e abandonei uma boa parte, porque separar os frutos das ramas já foi trabalhoso o suficiente. 

De longe, não se notam os frutos.
É ir colhendo e catando os caídos.
Ao colher do pé, verifique se está maduro e doce.
Aqui, você pode usá-la fresca, basta separar as mais vistosas, sem insetos, marcas de bolor ou amassadas. Use como usaria nozes ou uva-passa, especialmente em receitas doces. Triture no liquidificador e use a pasta em receitas doces, talvez até mesmo como substituto perfumado do açúcar.

Desidratada em casa, fica sequinha.
Perde sabor, mas concentra doçura. E dura bem mais.
Planejo usá-la para fazer vinho e refrigerante caseiro, porque deve fermentar bem, devido ao seu alto teor de açúcar. Porém, ainda não sei exatamente como esterilizar antes do uso, para não contaminar as leveduras do mosto. Sugestões? Imagine, um vinho que lembra a nozes? (Suspiro...)

Existem artigos que relatam seu processamento, transformando-a em farinha. Para tanto, precisa secar ao sol forte ou forno baixo (+-60ºC) por um par de horas, até que fique bem seca. Portanto, colha bastante, para compensar o gasto de energia ou gás na sua desidratação.. Você pode ainda congelar e usar na confecção de bolos, tortas, como adoçante natural. Talvez picadinha ou batida com leite para bolos. Aliás, batida com leite fica absolutamente fantástico - parece um milkshake de passas e nozes. Tire as sementes e congele, e terá uvas frescas e perfumadas o ano todo.

Aliás, o milkshake fica divino. Coloquei meio copo de uvas para um copo de leite bem gelado - poderia ser iogurte, kefir, ou qualquer leite vegetal mais neutro, como o de arroz ou aveia. Bata bem no liquidificador, coe e consuma imediatamente. Não precisa de açúcar, essa é a graça da coisa.

Um néctar! Uvas congeladas batidas com leite,
o melhor milkshake que você pode querer.
Se conseguir desidratar suas passas de uva-japonesa, você pode batê-las até obter um pó escuro, doce e perfumado, que substitui bem o açúcar mascavo nas receitas de bolo, com a vantagem de ser rico em fibras e minerais.

Uva desidratada e batida no liquidificador - sem as sementes.
Fica com textura e sabor de açúcar mascavo,
com um quê de passas e nozes.
Aproveite a época e saia pra passear e coletar algumas uvas-japonesas. Se não colher agora, só ano que vem.

Mas falando em passas, vou ensinar como fazer um "forno desidratador" caseiro. Ele é uma opção barata, e como a temperatura alcançada é mais baixa (depende da lâmpada usada), mantém melhor a textura e o sabor. Aviso também de antemão que esse desidratador foi feito sem grande planejamento e está livre para ser adaptado. Falarei dele na próxima postagem. Até lá!





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