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sábado, 27 de setembro de 2014

Na natureza selvagem: as plantas fogem? Matos que não se comem.

Quem nunca ficou com vontade de comer uma frutinha que viu num quintal por aí, ou talvez numa trilha? Qual criança não gostava de colocar na boca matinhos do jardim? Uns doces, uns azedos, uns amargos... Eu gostava bastante. Por sorte, não comi nada que fizesse mal, mas meu pai tem uma história assim.

Quando meu pai era criança, nascia num terreno perto da casa dele uma moita linda de costela-de-adão (Monstera deliciosa). Um belo dia ele estava sem nada pra fazer, e cansado de comer as amoras da árvore ao lado, resolveu mastigar um pedacinho da folha recortada da costela-de-adão. Tão linda, que mal poderia fazer? O resultado: foi parar no médico com um edema de glote. A garganta dele fechou, a língua inchou e o lábio ardia como fogo. Se eu estou aqui e você lê essas palavras, o final foi feliz e a recuperação foi boa. Mas poderia não ter sido.

Costela de Adão - Monstera ssp. Vai encarar?

As plantas podem ser venenosas, isso é um fato. Um certo autor americano disse "as plantas não correm". Afinal, se pudessem correr, não teriam desenvolvido por seleção natural venenos, espinhos, cascas, fibras. Não, as plantas não fogem. Embora as plantas não fujam quando estão sob ameaça, elas tem seus mecanismos de defesa. Algumas podem te matar com apenas poucos frutos ou folhas, enquanto outras podem ser consumidas em grandes quantidades por curtos períodos. Algumas são venenosas, mas o preparo correto as deixa perfeitamente comestíveis.Certas plantas dão alergias com o simples contato com a pele, outras precisam ser mordidas para liberar veneno. Que medo!

Pior ainda são as intoxicações geradas pelo excesso de consumo ou consumo a longo prazo, intoxicando e sobrecarregando o seu organismo. Algumas podem te envenenar aos poucos, inutilizar seu sangue, degenerar seu sistema nervoso, agredir seus rins, lesar seu fígado,  sobrecarregar seu coração.

Embora pareça dramático, até hoje existem mortes de envenenamento por plantas. As principais vítimas são animais e crianças, mas quem não se lembra da filme Na Natureza Selvagem, onde o protagonista confunde duas espécies de ervilha, uma comestível e outra venenosa, e acaba com um envenenamento crônico? (Para saber do que o protagonista realmente morreu, há uma excelente investigação aqui).

Alexander Supertramp, em sua última foto 

antes de perecer devido a envenenamento por 

ingestão de Hedysarium alpinum

Essa planta que nasce no seu quintal, jardim ou calçada, é venenosa? Ou pode ser comida sem problemas?

Testar se uma planta é venenosa é perigoso e definitivamente não é uma boa idéia. Existem centenas de guias ou tutoriais para identificar se uma planta é venenosa. Eu serei muito enfático aqui não recomendando essas práticas - nada de ficar provando matinhos pelo caminho, por mais tentadora que uma fruta possa parecer. 

Como sei que para muita gente esse parágrafo acima pode soar um grande blablablá, vamos colocar a mão na massa. A partir de hoje, teremos postagens semanais sobre as plantas venenosas, porque é bom ficar de olho nelas!

Até lá! 

quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Novidades!

Essas semanas recebi muitos e-mails de leitores do blog. As mensagens são sempre muito positivas, vocês são muito carinhosos e me me estimulam sempre mais. Obrigado, mesmo!

Dentre os elogios e sugestões, tem dois que vou acatar de imediato.

A Maria José, de São Paulo, sugeriu uma pauta de "Matos de Não-Comer". Tinha planos de fazer uma postagem mais geral sobre o assunto, mas vou inaugurar uma coluna semanal sobre identificação de plantas venenosas ou não-comestíveis. Então, toda semana, uma planta espontânea e ruderal que não é um mato de comer.

Outra pauta sugerida foi a de ajuda na identificação botânica. Toda semana haverá a coluna "O que Nasce no Quintal", com fotos enviadas pelos leitores, para identificarmos e descrevermos as plantas que eles encontram por aí. Claro, o foco é identificar plantas e matinhos comestíveis em quintais, na rua, em vasos... Vamos? Tem dúvidas, manda pra gente! Essa coluna não acontece sem vocês!

Para isso, basta mandar sua dúvida para o e-mail matosdecomer@gmail.com. Se possível, coloque no assunto a palavra "Identificação". Fotos mais nítidas serão priorizadas - ou fica muito difícil a identificação.

É isso. Nas próximas semanas, mais novidades!

Até a próxima!

terça-feira, 23 de setembro de 2014

Cará-moela: ensaio

Tem cará-moela de todas as formas. Enrugado, liso, de superfície lunar. Forma de pedra, forma de asa, forma de beijo, forma de borboleta, forma de moela.

Se tem carás-guardados, é hora de dar uma olhada: a vida está transbordando em brotos verdes, incipiente, mas ainda vida. A casca rugosa daquele que nasceu no ar pede "me leve para conhecer a terra". Daí em diante, será brotar para voltar ao ar, mas de outra forma. O mito da ressurreição vegetal. Do ar, para a terra, para o ar. Eternamente. Setembro chegando, a vida acorda.






O Cará Moela, ou Dioscorea bulbífera, é uma das poucas plantas que produzem bulbilhos aéreos, ou seja, batatinhas que nascem fora da terra, presas aos galhos, feito jabuticabas. Trazida da África, a maior parte das espécies que existem no Brasil são cultivadas, ou seja, são comestíveis. As espécies não cultivadas são venenosas e muito amargas, requerendo uma preparação complexa. As nossas, por sorte, são adocicadas, com aroma de batatas e castanhas, farinhentas e cremosas. Para cozinhar, basta jogar na panela com água fervente, com pele e tudo, e esperar amaciar. A pele solta fácil e a batata é resistente: mantém a forma mesmo cozida.


Depois de dormir por meses nessa forma de pedra, ela rebrota muito rápido, crescendo mais de 10cm por dia quando começam as chuvas, podem cobrir uma cerca, uma árvore ou um muro em poucas semanas. 


Ele gosta de solos férteis e úmidos, mas vai bem em solos mais secos. O importante é ser fértil, e se possível, bem adubado com humus, composto ou esterco. Mas se não tiver, tudo bem. Cresce em qualquer parte do Brasil, mas é sensível a geadas. Se a temperatura noturna cai abaixo dos 12ºC, a planta seca imediatamente, mas as batatinhas ainda podem ser colhidas. Também é sensível a granizo, que arranca prematuramente as batatinhas do pé e rasga as folhas largas, destruindo a planta em poucos instantes. Caso haja granizo ou a planta seque, não se preocupe: ela é caprichosa e rebrota no ano seguinte, porque debaixo da terra o bulbo só cresce, parecido com um cará normal.


A mesma planta produz vários tamanhos de cará-moela: pequenos, médios e uns muito grandes, com mais de 300gr cada. Os meus não ficam tão grandes, mas os dois maiores da foto, que ganhei da amiga Paula Navas e crescem na úmida serra do mar, ficam enormes. Devem ser colhidos quando ficam soltos e caem naturalmente, ao mais simples toque. Por dentro, pode ser roxo, amarelo, branco ou alaranjado, liso ou rajado. Por fora, todos iguais, só cozinhando pra saber.

Formatos diferentes, tipos diferentes. O em forma de
borboleta tende a ser mais cerrilhado, mas não é regra.

Todos os tamanhos: de 300gr a 1gr.

Encontrei por aí dois formatos principais: o que começa nascendo em forma de borboleta e o outro começa nascendo em forma de bolota. Depois de crescidos, ficam muito parecidos - mas dá para saber que são variedades diferentes.

Se ainda não tem o seu, procure na internet, em lojas ou com amigos. Chegada a primavera, as batatinhas magicamente despertam e começam a procurar luz, enrolar, soltar ramas e folhas. Não adianta - se não plantar cará-moela agora, só vai encontrá-lo ano que vem, no inverno. Os meus eu sempre fico com dó de consumir e acabo plantando, e em breve terei uma verdadeira floresta de cará-moela e uma boa safra, se não tivermos geada ou granizo. Das plantas não convencionais, acho de longe a mais bonita e intrigante: achei que ela merecia um ensaio próprio. Sim, sou jardineiro babão nas minhas crias...

quinta-feira, 18 de setembro de 2014

Picão ajuda a emagrecer?

Estou fazendo um favor pra essa planta, dando mais mídia e divulgação, porque ela merece. E olha, esse título é uma provocação: picão não emagrece. Mas não engorda. E faz tanto bem pra saúde que eu acho legal você continuar lendo.

O picão tem tantas propriedades boas que deveriam lhe dar mais atenção. É um coquetel de nutrientes. Rico em minerais, como magnésio, ferro e potássio, também tem bastante vitaminas A, C e E. Claro, quando cozido, parte das vitaminas vão embora, mas boa parte fica - além das proteínas. Ajuda na má digestão, é bom no tratamento de úlceras, aftas e problemas do fígado. Ainda, é desintoxicante, estimula a imunidade e possui ação anti-inflamatória. Pode ser desidratado e misturado junto na farinha, para um pão mais nutritivo. Ou ainda, colocado no arroz que vai cozinhar, no omelete, na sopa....

Quando começam as chuvas, uma das primeiras plantas que aparece é o picão. Folhinhas serrilhadas, crescimento rápido. As flores podem ser amarelas, fechadinhas, no caso do Bidens pilosa, ou Picão Preto, ou margaridinhas brancas, no caso do Bidens alba, Picão Branco. Em ambos os casos, as plantas são comestíveis, e gostosas. No caso das folhas do bidens alba, a planta é mais alta e as folhas, maiores.


Bidens alba: florezinhas brancas e agulhas negras.

O picão é uma daquelas plantas fáceis de reconhecer, especialmente quando as sementes já foram formadas. As sementes são fininhas, escuras e possuem duas anteninhas. Aliás, são elas que dão o nome pra planta em latim: Bidens significa "dois dentes", em alusão á forma das sementes. Não chegue muito perto, se não, ooops, picão preso na roupa. Picar, mesmo, ele não pica. Mas gruda, enrosca. E é por isso que tem picão em todo lugar: esse enroscamento todo faz com que, grudado no pelo de animais, vá cair bem longe de onde nasceu. E, se nenhum animal aparecer para levar as sementes, elas caem por ali mesmo e alegremente formam touceiras de picão.

Os Bidens nascem durante o ano todo, por toda parte. Porém, precisam de chuva para germinar, então são mais escassos no fim do inverno por causa da estiagem. Mas no resto do ano, picão à vontade! Cada planta produz dezenas de sementes, que darão origem a dezenas de plantinhas assim que cair a primeira chuva. O aquênios, as agulhinhas pretas, aguentam muitos anos no solo até rebrotar novamente, então mesmo que os picões tenham sumido, podem reaparecer com força total no outro ano.

Bidens pilosa, florzinha singela sem pétalas.

O picão é uma planta de ciclo curto. Em geral, dura de 6 meses a um ano. Depois da floração, a planta fica com manchas nas folhas, e seca completamente. Esse é o momento em que as sementes devem ser colhidas e a planta tombada para se decompor.

As flores são muito simples, porém cheias de pólem e néctar, sendo uma fonte fundamental para abelhas em tempos de estiagem. Então, se não for consumir, não arranque: deixe para os insetos.

O sabor lembra espinafre, e algo picante (picão?) da folha da cenoura - mas pode ser impressão minha. Como tem muitas saponinas, é bom ser fervido antes, para ficar realmente seguro para consumo - da mesma maneira que se faz com o espinafre. Folhas jovens e brotos são mais gostosos e menos fibrosos, assim como as plantas que nascem mais na sombra tem sabor mais suave. Os talos são fibrosos e não muito fáceis de comer.

Bidens alba, produzindo muitas sementes.


GUIA DE IDENTIFICAÇÃO
Bidens alba e Bidens pilosa. Folhas pecioladas, opostas, com formato oval ou pontuda (lanceolado), folhas simples ou compostas por 3 a 9 unidades, sendo em geral compostas por 5 a 7 folíolos. Cada folha chega a um palmo, possui folha verde escura e a parte abaxial (inferior) da folha com pilosidades (no caso de B. pilosa), e borda serrilhada. O caule é ereto, ramificado, podendo ser arroxeado em plantas que nascem a pleno sol. As flores são capitulos amarelos, nascendo isolados ou em grupos, com pétalas brancas ou ausentes, parecidas com margaridinhas, de aproximadamente 2cm de diâmetro.


LOCAL DE OCORRÊNCIA

Qualquer local. Sem exigências em relação ao solo, gosta mais de pleno sol. Em solos úmidos e férteis pode chegar a 1,5 metros de altura.


MODO DE PREPARAÇÃO

Folhas, cozidas, refogadas pou desidratadas. Folhas e flores na forma de chá.



RECEITA:




Sopa de Cenoura à Tailandesa  com Coentro e Picão

Essa sopa era uma das especialidades do restaurante que trabalhei na Irlanda, o Stag's Head Pub, mas dei uma adaptada e a deixei melhor do que nunca, acrescentando o coco, a laranja e a noz-moscada, inspirado pelos aromas orientais. É cremosa, nutritiva, tem uma cor linda e um sabor muito especial, devido ao acréscimo de ervas aromáticas. Outro segredo da receita: a cenoura é dourada lentamente antes do cozimento, o que dá um sabor profundo à sopa. Mesmo quem não suporta coentro vai gostar dessa sopa. Pode ser consumida quente ou gelada.

Ingredientes: (para 4 pessoas)

6 cenouras grandes, descascadas e picadas
1 col sopa de coco ralado, fresco ou seco ou 3 colheres de leite de coco
suco de 1/2 laranja azeda
4 dentes de alho, pilados
3 cm de gengibre, descascado e picado
4 col de sopa de coentro picado
4 col de sopa de salsinha picada
1 pitada de pimenta
1 pitada de nos moscada ralada
2 xícaras de folhas de picão picadas finamente
3 col sopa de óleo

Coloque o óleo na panela de pressão, e em fogo médio, doure e refogue as cenouras, mexendo sempre. Após 10 minutos, adicione os alhos, o coco ralado e o suco de laranja. Complete com água até 2 dedos acima da cenoura. Tampe e cozinhe por 25 minutos após criar pressão.

Enquanto isso, ferva 4 xícaras de água, adicione o picão, deixe descansar por 10 segundos e descarte a água. Reserve o picão.

Assim que a pressão da sopa tiver saído, adicione o coentro, o gengibre e bata no mixer ou liquidificador até virar um creme consistente. Adicione o picão escaldado, a salsinha picada, a pimenta, a noz moscada, acerte o sal e sirva.

Acompanha bem torradinhas com azeite, queijo ralado e legumes fritos. Pode ser servida gelada, em taças, para dias quentes de verão.

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Buva: O tempero mais odiado do mundo

Essas semanas caíram as primeiras chuvas significativas aqui na cidade de São Paulo. Quem já aproveitou para crescer e garantir seu lugar ao sol foi a Buva, uma erva que nasce no mundo inteiro. E, não por acaso, é o a planta mais odiada do mundo (pelos agricultores)! As principais espécies são a Conyza bonariensis e a Coniza canadensis, ambas de uso similar e aqui tratadas como "buva". Seus nomes populares incluem rabo de foguete, rabo de de rojão, voadeira, buba e capetiçoba. Dá pra ver que o povo é criativo com nomes...

Na realidade, ela é odiada, mas não como tempero. Até porque eu ainda acho que o tempero mais polêmico por seu sabor é o coentro! A buva, por si só, nem é vista como tempero. Os grandes produtores, os latifundiários e monocultores a veem como praga agrícola, do pior tipo possível. Ela é capaz de reduzir em até 48% a produtividade de sistemas de produção de trigo, milho e soja no Brasil. Ou seja, tem um impacto enorme para o produtor, que quer se ver longe dela o mais rápido possível. Mas a buva venceu.

Depois de décadas usando venenos como o glifosato na agricultura, a buva sofreu uma mutação e ficou resistente ao herbicida. Tentaram aumentar a dose, e mais uma vez, a buva saiu ilesa. A natureza zombando das monoculturas.

Ela é aquela planta com jeitão de mato, mesmo. Nasce espigada, comprida, sem nenhum atrativo: folhas opacas, ásperas, flores pequenas e desinteressantes, porte comprido e desengonçado. Realmente, a buva não é das plantas a mais bela, porém é muito, muito perfumada.

É uma planta fina e muito comprida, chegando a mais de um metro de altura, sustentada por uma haste fina, recoberta de muitas folhas escuras.




A buva é uma planta excepcional. Ela resiste a todos os tipos de solo, de ambiente e de temperatura. Consegue florir e crescer mesmo nascendo entre frestas de concreto. A única coisa que ela não suporta é falta de claridade.

Ela é presente em pastos, plantações e pomares, porque cresce onde nenhuma outra consegue. Solos compactos, envenenados de fertilizantes e defensivos, secos e endurecidos. E ela prospera. Por essa razão, é presente no mundo inteiro, uma invasora competitiva muito, muito forte. Ainda, produz inúmeras sementes minúsculas, que viajam no ar como flocos de algodão, e podem ir muito longe. 

Pesquisando sobre o aroma, achei um fato curioso: dependendo da localidade, do clima e do solo, além da variedade local, a buva pode ter um cheiro completamente distinto. Num estudo feito com plantas na europa, os aromas predominantes nas folhas são de limoneno e manool nas folhas da Conyza bonariensis. Na sua irmã, a Conyza canadensis, ricos valores de limoneno e trans-a-bergamoteno. No Brasil, diferentes proporções foram encontradas, como você pode encontrar aqui. Dentre eles, destaque para os aromas cítricos (limoneno), aromas herbais de lâmio, manjericão e orégano (β-farneseno, germacreno D)  e de cravo (β-caryophylleno).

Assim, imagine o sabor: seus principais compostos lhe dão aroma de cravo, orégano e frutas cítricas, em especial o sabor do limão e rúcula, com uma nota picante de fundo. Mas isso pode variar, claro. A unica coisa em comum é sua suave picância e o aroma herbal.




Eu fico aqui pensando se os produtores que usam veneno na buva já pararam para cheirar suas folhas. Será que não viram o enorme potencial de de extração de óleo essencial para perfumes, alimentos e fármacos? Pelo visto, ainda não.

Pode ser usada para temperar pratos fortes, assados ou ainda num molho para salada. Refogada fica um pouco forte para ser comida pura, e tende a amargar (imagine comer manjericão refogado!). Então, nem pensar em usar a buva como vegetal, porque seu sabor é muito forte. Na Argentina, na Coréia e no Japão eu encontrei registros de uso - todos como erva consumida esporadicamente ou como tempero. Já servi sem avisar para familiares e amigos e todo mundo gostou, porém não conseguiu identificar o sabor.

Dessa vez, não há receita. Use a buva para temperar a comida da mesma maneira que usaria um manjericão, tomilho ou hortelã. De preferência, no final do prato, para que seu aroma não se perca.


Molho simples: azeite, limão, sal e muita buva picadinha

E você, já viu a buva por aí? Já usou? Como gosta de consumir?


sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Flores de Brassicaceas

A família das brassicaceas é uma das que mais possuem verduras comestíveis: repolho, couve de bruxelas, couve flor, couve, brócolis. Contudo, são todos da mesma espécie: Brassica oleracea.
Lindas são também as flores de outras verduras do gênero.

Flor do Rabanete (Raphanus sativus)

Flor do Nabo selvagem (Raphanus raphanistrum)

Flor da Rúcula (Eruca sativa)

Flor da Mostarda (Brassica  nigra)

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

A melhor essência de amêndoas (sem amêndoas)

Eu sou apaixonado por amêndoas. Lembro de ter comido marzipã quando eu era criança, aquela massinha frágil, açucarada e perfumada de amêndoas. Recordo daquele sabor até hoje! Mais tarde, descobri o licor Amaretto, que tem um sabor de amêndoas menos pronunciado, mas ainda delicioso - especialmente para receitas doces que envolvam chocolate.

Mas convenhamos, amêndoas são caras, extrato de amêndoas mais ainda. Marzipã, então, nem se fala - talvez seja por isso que não seja nada popular nem fácil de ser comprado.

Uma vizinha lá de Itu costumava transformar pinga barata num licor de amêndoas, bem suave. Claro, não virava um licor de amêndoas igual aos originais, mas enganava muito bem. O segredo ela enrolou pra contar, mas contou. E a gente ficou feliz, provou da bebida e se esqueceu disso, até dia desses - quando encontrei aqui no bairro um pé de nêspera (ou ameixa amarela).


Nespera em Itu, limpa após a chuva.
A nêspera (Eriobotrya japonica) também chamada de ameixa-amarela é uma planta de origem asiática - o nome "japonica" dá a pista (embora seja originária do sul da China). Aqui no Brasil, se aclimatou superbem a ponto de se tornar invasiva - as sementes germinam com facilidade e a planta não é muito exigente.

Nas grandes cidades, é fácil fácil encontrar uma árvore carregada de frutos agora em setembro. Existem muitas variedades, algumas de frutos ácidos e pequenas, outras de frutos grandes e doces - questão de sorte achar seu preferido. A árvore tem porte médio e folhas opacas, serrilhadas e ásperas, o que as pode deixar com aspecto feio: quando o clima está seco, o pó se acumula nas folhas e a árvore fica "encardida".

Ela é parente da ameixa, do damasco, do pêssego, e que surpresa, da amendoeira. Então não é tão improvável que suas sementes possam ter o mesmo sabor. E aqui entra um aviso. Atenção! Não achei a descrição em nenhuma literatura de que essa essência seja 100% segura de ser consumida. Existem artigos e pesquisas sobre o uso do extrato da semente em camundongos, aparentemente sem toxicidade (link aqui). Contudo, não sei qual a dose diária que pode ser consumida. Então, não recomendo você se empolgar e consumir muito de uma vez. Pouco eu tenho certeza que não faz mal - muito, não sei o que causa. Uma das pistas é hipoglicemia, como consta na literatura.

Aparentemente, a substância que dá o sabor da amêndoa verdadeira é a mesma: amygdalina e belzaldeído. Existem dois tipos de amêndoas: as doces e as amargas. As doces são as que consumimos cruas, crocantes. Já as amargas, delas se extrai a essência de amêndoas, porque tem conteúdo maior de amygdalina e benzaldeido, que são ligeiramente tóxicos. Contudo, a nêspera pode possuir outros glicosídeos cianogênicos e em outras quantidades. Da mesma maneira que outras plantas são venenosas se preparadas da forma errada ou comidas em excesso (espinafre, batata, cebola, feijão), acredito que se consumida esporadicamente e em quantidades pequenas, mal não fará. Não há nada na literatura que indique que a planta é comestível, assim como não achei nada que diga qual a dose para ser toxico.

Essência de amêndoas genérica:
Sementes de 20 ameixas para 100ml de vocka.
Diluir antes de usar!
A essência de amêndoas é fácil fácil. Basta tirar a semente, lavar bem e colocar em infusão em álcool neutro, que pode ser uma vodka barata ou álcool de cereais de farmácia. Quanto mais sementes e menos álcool, mais concentrado. O interessante é que as sementes tem um aroma muito suave quando cruas, não parece que vai dar certo. Mas após 20 dias embebidas no álcool, o aroma fica muito forte!

Usos: sempre com moderação. Fica deliciosa adicionada na calda do sorvete, em pudins, bolos, milk-shakes e usadas em pequenas quantidades em drinks. Faça o teste e me conte!

quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Tanchagem: Flores com gosto de cogumelo

Calma, dessa vez não é propaganda enganosa. A planta de hoje é realmente poderosa e com diversos usos medicinais - e não só as folhas, como as sementes. Ela tem muitos nomes, mais o mais comum: tanchagem. Muita gente a conhece com fins medicinais. Mas sabia que ela também é comestível?

A tanchagem no Brasil pode se referir a duas espécies do mesmo gênero, com propriedades e usos muito similares. Temos a Plantago major e a Plantago lanceolata. Como o uso e preparo das duas é muito parecido, não farei cerimônia em unificar tudo sob o nome comum de tanchagem. Se preferir, como é mais comum no sul, tansagem ou transagem. O termo transagem eu até ousaria dizer que remete à trança, devido à forma da inflorescência da Plantago major. Puro palpite, claro.

Grama infestada de tanchagem: sem caule
Ambas plantagos gostam de uma condição em especial: umidade. Podem até tolerar pleno sol, desde que consigam uma boa fonte de umidade no solo. Outra coisa, a tanchagem é uma planta de crescimento relativamente lento em relação à outras plantas, e quando ela ainda é pequena não aprecia lugares muito perturbados, como calçadas onde possam ser pisoteadas, gramas cortadas com muita frequência ou locais com terra muito revolvida. Elas em geral vão brotar coladas a muros, próximo a pés de frutas, naquela parte do jardim que ninguém vai, no meio de um canteiro antigo, ou seja: qualquer lugar que não seja mexido com frequência, que tenha umidade e ela possa se abrigar.

Após encontrar esse local, aí sim, ela cresce soberana, espicha suas folhas gigantes e vai dando um chega pra lá em quem estiver no entorno. Ela não tem caule: todas as folhas brotam direto do chão, enquanto o resto da planta fica enterrada. Daí descobrimos quem odeia ela: os jardineiros e os paisagistas. A tanchagem, quando nova, se confunde na grama. Depois de um tempo, adulta, destaca com suas folhonas compridas, mas daí já é tarde demais para tentar erradicá-la. Passar máquina junto com a grama não resolve: ela volta maior e mais forte. 

Toda folha tem exatamente linhas no comprimento.
Essa aqui possui 7.
 A inflorescência, em detalhe, é essa espiga marrom,
que parece uma trança.

Inimiga dos jardineiros, amiga da saúde. A tanchagem tem uma série de propriedades comprovadas sendo usada para tratar problemas de pele, picadas de inseto, alergia, assim como problemas internos, como má digestão, úlcera, como analgésica e antiinflamatória. Isso porque é um coquetel médico: mucilagens, alantoina, aucubina, derivados do ácido caféico, flavonóides e glicosídeos iridoides. Recebeu picada de inseto, fez algum corte? Lave bem as folhas, amasse bem (ou mastigue, como fariam os irlandeses) e aplique sobre a ferida. Ajuda muito a aliviar a dor e no processo de cicatrização.

As folhas

Agora a questão polêmica: tanchagem na cozinha? As folhas podem ser consumidas, tanto jovens quanto velhas, porque são ricas em proteínas, cálcio e vitaminas A, E e K. O problema é que as folhas ficam fibrosas depois de um tempo. Continuam comestíveis, mas deixam de ser palatáveis. Então, de preferência para as folhas bem jovens ainda. Nas folhas mais velhas, você pode escaldar e partir em pedaços, depois ir puxando as fibras, que saem igual fios de linha, finos e longos. Acho muito trabalhoso, então parta pra folhas mais novas. Ah sim, podem ser comidas curas ou cozidas.

O sabor é suave e a textura é neutra. Talvez um panelão de tanchagem refogada seja pedir demais, mas que tal algumas folhinhas para incrementar uma salada, ou num refogado de couve ou espinafre, ou cortada bem fininha no molho de macarrão?

As flores

As flores da tanchagem tem uma característica muito distinta: elas tem sabor de cogumelos. Especialmente as flores da Plantago lanceolata, mais comum no sudeste e sul do Brasil. Para serem usadas, devem ser colhidas frescas, em floração, e usadas para algum molho ou caldo. Ainda, podem ser desidratadas para serem usadas posteriormente. Outra dica é colher, secar a sombra e triturar com sal (2 parte sde flores secas para 1 de sal), para deixá-lo saboroso. (Nas flores das Plantago major eu não senti o sabor de cogumelos que senti na outra espécie, mas posso ter colhido a haste floral já velha demais.)

Flores da P. lanceolata: no ponto para serem colhidas.
As sementes

Pequenas, pretas e ovaladas, elas são ricas em fibras e mucilagens e ajudam o intestino preguiçoso - e não é lenda, foram constatadas cientificamente. São recomendadas para casos peculiares: pacientes que fizeram cirurgias delicadas em artérias, olhos ou cérebros, e que não podem fazer força ao defecar - o que pode abrir pontos e estourar vasinhos. Ou seja, ela ajuda a controlar o trafego intestinal. Mas eu acho que colher uma quantidade suficiente pode ser tedioso. Na dúvida, você a encontra em farmácias sob o nome de Psyllium, e é bom consumir sob recomendação de um nutricionista ou médico capacitado.


GUIA DE IDENTIFICAÇÃO
Plantago lanceolata e Plantago majorPlantas anuais, com até 30 cm de diâmetro. Folhas de bordas levemente recortadas ou lisas, percorridas por 5 ou 7 nervuras, dispostas em forma de roseta. P. lanceolata tem folhas finas, de até 3 cm de largura, e aste floral de até 35cm, com flores concentradas na ponta, em forma de espiga, na cor branca.  P. major tem folhas arredondadas de até 20 cm de largura, flores agrupadas em forma de espiga ao longo de toda aste.Ambas são acaule, com raíz principal profunda e raízes menores no entorno.  

São ainda encontradas no Brasil:  Plantago australis, P. brasiliensis, P. catharinea, P. coronopus  P. commersoniana, P. guilleminiana, P. penantha, P. tomentosa, P. turficola. Contudo, a maior parte das pesquisas direciona para a P. major e P. lanceolata como as mais comuns e mais usadas. Para consumir as outras espécies, consulte antes a bibliografia especializada.

LOCAL DE OCORRÊNCIA
Qualquer local. Sem exigências em relação ao solo, gosta mais de pleno sol e solos úmidos. Especialmente grande sem locais de pouca perturbação e gramados.

MODO DE PREPARAÇÃO
Folhas cozidas ou cruas, jovens. Folhas velhas muito fibrosas. Folhas saborosas para dar sabor a caldos, sopas e molhos.


Receita

Molho cru de castanhas com tanchagem  (Para macarrão)
(Para 4 pessoas)

Essa receita é bem simples e nutritiva, rende um molho cremoso e aveludado que fica com sabor entre o molho branco e o pesto. Pode ser usada acompanhando a massa de sua preferência.

Ingredientes:

Molho
40 folhas pequenas de tanchagem, novas e tenras, picadas finamente
1 xícara de castanha de caju torrada, e sem sal
1 dente de alho pequeno
2 col sopa de cebola picadinha
3 folhas de cebolinha picada finamente
5 folhas de manjericão picado finamente
1 col sopa óleo
sal e azeite a gosto

Passo 1: Jogue água morna nas castanhas até cobrí-las, espere amornar e deixe-as em imersão num frasco na geladeira até que hidratem (de 2 a 12h). Escorra a água e triture-as no liquidificador até obter um creme liso e claro. Para facilitar, adicione as castanhas aos poucos com água fria, às colheradas. Tempere com sal e azeite.
Passo 2: Refogue a cebola e o alho num fio de óleo, até a cebola ficar transparente. Adicione a tanchagem finamente picada e refogue até murchar (3 minutos).
Passo 3: Retire do fogo, adicione o creme de castanha, a cebolinha e o manjericão picados finamente. Misture delicadamente. Acerte o sal.





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