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Milhos crioulos |
Outono é a época da colheita do milho aqui no sudeste. E festa junina, época das delícias caipiras. Alguns milhos colhem-se no final do verão, outros no final do outono - isso depende de cada variedade e claro, de quando foram plantados. Há alguns costumes, por exemplo, de semeá-los no dia de reis para colher até a páscoa, ou de semeá-los no São José (19 de março) para colher no São João (24 de junho), o que dá exatamente três meses, o tempo do milho maturar mas ainda estar verde para pamonhas, curaus e bolos.
Uma coisa importante sobre o milho é que, em geral, ele gosta de dias longos e de muita água, ou seja, o verão. Se plantado depois de abril, muitas variedades encruam, bicham, padecem, ficam anãs e com os grãos xoxos. A EMBRAPA orienta que o plantio pode ser feito o ano todo, mas que nos meses mais frios o tempo de colheita demora mais. Eu pessoalmente nunca tive sucesso plantando milho fora de época, especialmente porque o milho precisa de muita água, e o inverno é muito seco na minha região.
Acho que já devo ter falado sobre milhos coloridos aqui, mas acho que é um bom momento para falar deles novamente. Dentro do universo dos milhos crioulos, afinal, o que é um milho colorido? Qual a diferença para o milho amarelo?
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Milho crioulo negro, para pipoca |
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Milho crioulo, para comer verde ou fazer farinha. |
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A trajetória de um milho |
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Cada agricultor traz o seu, identificado |
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Milho crioulo no Encontro de Sementes Livres |
Antes de responder essa pergunta, é preciso entender o que é o milho. Ele é uma planta criada pelo homem, mas com as tecnologias agrícolas dos nossos ancestrais, há muitos milênios, mais de 7.000 anos. Inicialmente, o milho era um capim ramificado, sem sabugo e com poucos grãos, e cada um deles coberto individualmente por palha, chamado teosinto. Era muito parecido com um ramo de trigo. Esse teosinto ou milho primitivo foi sendo plantado e selecionado para maiores grãos, plantas menos ramificadas e mais produtivas e até mesmo para espigas com palha - essas definitivamente surgiram pelas mãos do homem. O teosinto e o milho sofreram cruzamentos ao longo do tempo, e cada localidade desenvolveu seus tipos de milho - alguns com as espigas arredondadas, outro com as espigas compridas, grãos longos, achatados, arredondados.
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Milho com cada grão envolto em palha:
provavelmente o milho já foi assim no passado.
Variedade "tunicata", sem grande utilidade comercial.
Encara descascar grão por grão? |
Milho crioulo é todo o milho que não foi apropriado pela indústria, ou ainda, variedades tradicionais que passam de geração em geração pelas mãos dos agricultores. Ou seja, são adaptadas ao local de seu desenvolvimento, possuem muita história e claro, não tem custo nenhum para seu uso, deixando o agricultor totalmente autônomo. Muitos dizem que os milhos desenvolvidos pela indústria são mais produtivos, e isso é verdade. Mas para essa produção, precisam de um uso alto de fertilizantes, de muitos tipos de veneno e claro, degradam o solo, contaminam a água e deixam o agricultor doente - o que não falta são relatos de intoxicação por agrotóxicos.
Há muitos estudos muito interessantes sobre o rendimento do milho crioulo em relação ao convencional, tendo praticamente a mesma performance nas condições de campo dos agricultores, sendo muitas vezes mais resistentes à pragas e não necessitando de veneno nem de fertilizantes. Ou seja, além de gratuito, sua produção não demanda compra de insumos, o que é perfeito para os agricultores que produzem de forma orgânica e agroecológica. Um trabalho que recomendo a leitura é
esse aqui. De qualquer forma, o interessante é o produtor ter acesso a muitas variedades de milho, e ele mesmo escolher qual a melhor para o seu tipo de cultivo e para a sua finalidade. Os critérios podem ser a cor, o rendimento, o formato da espiga, a beleza, o tempo de cozimento, a qualidade da farinha, a altura da planta, a textura da palha, o tempo de produção, enfim, todas variáveis que ele não é capaz de escolher quando compra um grão comercial.
Sempre que você ler algo como "milho crioulo vermelho", saiba que essa informação está incompleta. Uma semente crioula tem história e ela deve ser passada para quem tem acesso à semente. Apenas a cor do milho não indica se é milho de pipoca ou de farinha, precoce ou longo, de sequeiro ou de baixada, por quem foi cultivado, onde foi cultivado. Fique atento, especialmente se conseguir sementes crioulas - descubra o máximo que puder sobre elas. Não deixe o conhecimento se perder!
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Milhos para chicha, na feira boliviana Kantuta em SP. |
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Milho "mote" boliviano na feira Kantuta - SP |
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Milho azul para pipoca ou farinha na feira Kantuta - SP. |
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Milhos crioulos, ganhos e plantados. |
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Milhos crioulos em Belém, no Congresso de Agroecologia. |
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Milhos crioulos em Belém, no Congresso de Agroecologia. |
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Milhos crioulos em Belém, no Congresso de Agroecologia. |
Podem ser de todas as cores, tipos, formas, tamanhos, usos. Mesmo um milho amarelo pode ser crioulo (vi gente achando que milho "colorido" é sinônimo de crioulo). O milho amarelo é o mais comercializado atualmente, especialmente as variedades híbridas e transgênicas. Para saber as diferenças, é simples. O milho transgênico é feito em laboratório, com a inserção de genes de outros seres, que nunca cruzariam com o milho naturalmente. Dessa forma, cria-se milhos resistentes para receber mais e mais banhos de veneno, que são tão tóxicos que os milhos normais não resistiriam. Afinal, quem quer comer tanto veneno assim? Eu que não! Outros tipos de milho recebem genes de bactérias e produzem toxinas que evitam que sejam comidos por insetos.
Outro problema causado pelo uso de transgênicos é o fato de que eles contaminam as plantações vizinhas com seus genes. Com o vento, seu pólen, carregando informações genéticas, é transmitido para outras plantações de milho não transgênico, invadindo os genes das próximas gerações e modificando o milho crioulo. Alguns estudos sugerem que a distância mínima de plantio em relação a outras culturas é de 400 metros, mas há relatos indicando que mesmo assim ocorre contaminação. E nem sempre essa prática é seguida. Isso se reflete em perda de biodiversidade, que não pode ser estimada e pode ter sérios efeitos a curto, médio e longo prazo. Vale a pena correr esse risco?
Eu sou contra a transgenia a partir do momento em que o agricultor perde sua autonomia e depende unicamente do mercado, a partir do momento que se usa mais e mais veneno e ele destrói a natureza e a vida humana, a partir do fato de que o consumo de transgênicos não é comprovadamente seguro (se fosse, porque retiraram a informação de que é transgênico dos rótulos de alimentos? Se fosse algo bom esse fato seria divulgado, e não escondido, não?).
O milho híbrido, por sua vez, não tem genes de outras espécies implantados, e é produzido através do cruzamento de duas linhagens puras, resultando em um milho de qualidade na primeira geração. Se o agricultor plantar novamente esse milho, nascerá pequeno, fraco e diferente do milho comprado, obrigando-o a comprar sementes novamente. Ou seja, a guarda das sementes passa do agricultor para a indústria, tornando-o dependente, escravo da compra dessas sementes. Ao contrário, as sementes crioulas possuem grande vigor genético e são propriedade do agricultor, mais adaptadas ao seu local de desenvolvimento e ainda por cima, ele não terá que gastar um centavo para ter seu plantio de milho. Semente crioula é autonomia!
Conforme a
EMBRAPA: "Os híbridos só têm alto vigor e produtividade na primeira geração (F1), sendo necessária a aquisição de sementes híbridas todos os anos. Se os grãos colhidos forem semeados, o que corresponde a uma segunda geração (F2), haverá redução, dependendo do tipo do híbrido, de 15 a 40% na produtividade, perda de vigor e grande variação entre plantas."
Eu cresci achando que os milhos eram amarelos, e que milhos crioulos só existiam fora do Brasil. Mas que engano! Primeiramente, milhos podem ser de todas as cores e usados para os mais diversos fins, de plantas de meio metro a plantas de quatro metros, de milhos para fazer pipoca até milhos que servem para fazer chá e suco. Se tiver curiosidade, vá em uma feira agroecológica de troca de sementes para descobrir quantas variedades os agricultores cultivam. Mesmo aqui em São Paulo, os grupo indígenas como os Tendondé Porã e os Krukutu possuem suas variedades de milho crioulas, seu patrimônio e tecnologia agrícola na forma de grão. Ou seja, mesmo na cidade de São Paulo há cultivo de milho crioulo. Nas feiras agroecológicas que tive a oportunidade de conhecer, troquei e recebi muitos tipos de milhos, como a ocorrida em Pardinho, ano passado, e
relatei aqui.
Tudo isso pra contar que tempos atrás ganhei algumas sementes de milho negro para pipoca, plantei uma semente, ela deu origem a um pé de milho que deu uma espiga. De um grão para uma espiga, já dá pra ver que o milho é um bom investimento, não?
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Milho negro de pipoca, no meu quintal. |
Uma apostila incrível sobre cultivo e plantio de variedades crioulas, em linguagem acessível e lúdica,
clicando aqui.
Para quem quiser comprar milhos crioulos, existem alguns há venda na internet - mas nunca dá para saber a procedência. Na dúvida, converse com agricultores de sua região. E fique de olho em anúncios do tipo "mercadolivre", muitos milhos vendidos lá são trazidos de fora do Brasil e não produzem aqui, especialmente variedades andinas, bolivianas e peruanas.
O México é o país com mais variedades de milhos no planeta, listando 64 raças das mais de 200 do mundo, e dentro de cada raça, uma infinidade de variedades.
Essa página maravilhosa mostra cada uma dessas raças de milho, clicando na figura, na parte superior da página.
Por fim, divulgando, pra quem não gosta de comer veneno nem lixo produzido pela indústria, vale conferir os eventos promovidos na
Festa Junina Livre de Transgênicos pessoal do Slow Food.
Colaborou com esse texto: Glenn Makuta, biólogo, ativista e membro do Movimento Slow Food Brasil.