Páginas

quinta-feira, 30 de junho de 2016

Matos que nascem no jardim

A maior dificuldade de quem quer aprender a identificar plantas é conseguir enxergá-las no contexto de um jardim ou mata, afinal, elas são muito diferentes das fotos. Muita gente acha essa missão impossível, mas aqui vou mostrar que na verdade, é muito simples. Dentro das plantas que nascem comumente nas grandes cidades, as possibilidades se reduzem muito - estou falando de no máximo 30 espécies, mais comuns, verdadeiros matos de comer. Em um quadrado de 50cm² eu encontrei muitas espécies - são as predominantes nesse tempo frio, no inverno. Nas outras épocas do ano, esse perfil muda um tanto.

Nas ultimas oficinas, várias pessoas comentaram que gostariam de desenvolver um olhar mais "botânico" sobre o jardim. Como os aplicativos de identificação pouco funcionam, o nosso olhar e treinamento ainda serão as melhores garantias para identificar os matos de comer. Vamos treinar?

(clique nas imagens para ampliar)


Vermelho (Amaranthus deflexus): Caruru;
Laranja (Commelina erecta, C. benghalensis): trapoeraba
Amarelo (Crepis japonica): crepe do japão
Roxo (Plantago australis): tansagem
Marrom (Oxalis latifolia): trevo
Rosa forte (Bidens pilosa): picão preto
Rosa claro (Parietaria debilis): erva-pepino

Detalhe da foto acima: note as folhas com as pontas em
forma de "vale". Identificação do caruru ou bredo.

Detalhe acima: note folhas serrilhasdas,
inflorescências sem pétalas e a formação das sementes.
Típico do picão.
Outra foto: quantas espécies há aqui?

Vermelho (Amaranthus deflexus) : caruru
Amarelo (Solanum americanum): maria-pretinha
Rosa (Commelina erecta): trapoeraba
E nessa?
 
Rosa (Hypochaeris radicata): radite
Vermelho (Crepis japonica): crepe do japão
Laranja 
(Commelina erecta): trapoeraba
Amarelo
 (Parietaria debilis): erva-pepino
 

Pink (Sonchus oleraceus): serralha
Roxo (Emilia fosbergii): falsa-serralhinha
Laranja (Commelina erecta): trapoeraba
Roxo (Plantago australis): tansagem
Azul (Cyclospermum leptophyllum): aipo-do-mato
Rosa
 (Bidens pilosa): picão preto
Rosa Claro 
(Parietaria debilis): erva-pepino
Gostou? Mande a sua foto que te ajudamos na identificação. Não esqueça de mandar sua cidade, se o local recebi irrigação, se recebe sol e por fim, se é em casa, rua, parque, calçada, estrada.... São informações importantes na identificação.

segunda-feira, 20 de junho de 2016

Oficina Intensiva PANC- 26/05 em São Paulo



Devido à grande demanda e repercussão da última oficina na AAO, faremos uma nova edição no final do mês, dia 25/06.

Será um intensivo de 5 horas para aprendermos mais sobre o incrível mundo das PANC, com parte teórica e prática, abordando desde fundamentos de botânica e agroecologia até seu uso na gastronomia, com dicas de identificação, cultivo, coleta, plantio e preparo. Vamos também trocar mudas, sementes e dicas, pra todo mundo sair de lá preparado para começar sua produção!

Será das 9h as 14h, do lado do Metro Barra Funda, no dia 09/04, um sábado.

Vagas limitadas. 

Programa: 

  • Noções de biodiversidade alimentar;
  • Evolução dos sistemas agrícolas e a revolução verde, porque comemos o que comemos?
  • Flora nativa, nós consumimos? 
  • Noções de botânica.
  • Benefícios ecológicos e cultivo orgânico e agroflorestal. 
  • Identificação prática de principais espécies para agricultura urbana. 
  • Como lidar com a poluição? 
  • Usos na cozinha - inativação de enzimas, remoção de venenos. 
  • Principais formas de consumo para cada espécie. 
  • Benefícios e diferenciais nutricionais. 
  • Como coletar, cultivar, como multiplicar e onde adquirir. 

Ao final, troca de sementes e mudas.

Inclusos: Apostila PANC- AAO com dicas de cultivo, noções de botânica e listas de PANC Urbanas de São Paulo + troca de sementes e mudas + degustação de guloseimas feitas com ingredientes não convencionais.

Valores: R$90,00 para associados AAO e R$110, para não-associados.

Duração: 5h

Incrições e mais informações: (11)3875-2625 ou cursos@aao.org.br

Docente: Guilherme Reis Ranieri, gestor ambiental, mestrando em ciência ambiental e pesquisador em agricultura urbana pelo GEAU-USP. Autor da página Matos de Comer - www.matosdecomer.com.br

quinta-feira, 9 de junho de 2016

Milho Mote e um prato com aromas andinos

Milho mote à venda na feira Kantuta.
Estava na minha prateleira um saco enorme de milho branco gigante que comprei há tempos na feira Kantuta, aqui em São Paulo, e não tinha dado fim a eles. São milhos brancos, gigantes, do tamanho de uma unha de polegar, com os quais eu não saberia exatamente o que fazer. Tentei plantar, mas o pés tombam antes de frutificar - não são plantas adaptadas ao clima aqui de São Paulo. E o milho foi ficando na minha prateleira.

Milho "mote" versus milho amarelo comum.
Aproveitei que agora é época de sabores andinos, o camote, ou batata doce, a huacatay, ou menta-peruana, e a quirquiña, ou arnica do campo, e pensei em uma sopinha para esquentar a noite. E não é que ficou bom? De andino não tem nada além da inspiração no uso dos sabores e a técnica de cozimento do milho. De resto, invencionice minha - e preciso inventar mais vezes, heim?

Folhas de huacatay ou menta peruana
Folhas de huacatay ou menta peruana

Folhas de quirquinha ou arnica do mato.

Folhas de quirquinha ou arnica do mato.

O mote é um milho usado como acompanhamento em diversos países, algo como o nosso arroz, assim como é usado no preparo de tortillas, de tamales, de arepas e de outros pães e bolos amiláceos. O segredo, nesse caso, para melhorar a textura da massa e remover a pele do grão, é o processo de nixtamalização, onde o o grão fica de molho em uma solução alcalina, seja de cal virgem ou de cinzas, e depois é cozido nessa solução, ficando mais macio e principalmente, mais nutritivo, porque aumenta seu teor nutricional. Se quiser saber mais sobre nixtamalização, dê uma olhada aqui.

Pois bem, nixatamalização eu não fiz, porque queria os milhos para uma sopa apenas. Para cozinhá-lo, deixa-se de noite em água fria até hidratarem, depois cozinham na pressão no mesmo tempo do feijão, ou em três horas em panela aberta, até os grão ficarem "fofos" e explodirem. Mais sobre como cozinhá-los, dê uma olhada aqui. Assim que estavam cozidos, em outra panela refoguei alho pilado com cominho, acrescentei os milhos cozidos, batatas picadas, batata doce laranja e sal, e deixei até que cozinhassem. O cominho foi por intuição, na tentativa de reproduzir uma sopa de batata e milho que comi na feira tempos atrás. Ao fim, adicionei folhas de huacatay e de quirquiña e deixei ferver mais uns 10 minutos para pegar gosto. Servi com folhas de salsa picadinhas.

Batata doce, milho "Mote", batata normal e ervas.

O ensopadinho. Os milhos ficam gigantes, macios,
adocicados e maravilhosos.
Se ficou bom? Ficou delicioso, com sabores muitos diferentes do que estamos acostumados. E incrível como a sopa é nutritiva, porque acordei na manhã seguinte sem fome nem para o café. 

domingo, 5 de junho de 2016

O que é milho crioulo?

Milhos crioulos
Outono é a época da colheita do milho aqui no sudeste. E festa junina, época das delícias caipiras. Alguns milhos colhem-se no final do verão, outros no final do outono - isso depende de cada variedade e claro, de quando foram plantados. Há alguns costumes, por exemplo, de semeá-los no dia de reis para colher até a páscoa, ou de semeá-los no São José (19 de março) para colher no São João (24 de junho), o que dá exatamente três meses, o tempo do milho maturar mas ainda estar verde para pamonhas, curaus e bolos.

Uma coisa importante sobre o milho é que, em geral, ele gosta de dias longos e de muita água, ou seja, o verão. Se plantado depois de abril, muitas variedades encruam, bicham, padecem, ficam anãs e com os grãos xoxos. A EMBRAPA orienta que o plantio pode ser feito o ano todo, mas que nos meses mais frios o tempo de colheita demora mais. Eu pessoalmente nunca tive sucesso plantando milho fora de época, especialmente porque o milho precisa de muita água, e o inverno é muito seco na minha região.

Acho que já devo ter falado sobre milhos coloridos aqui, mas acho que é um bom momento para falar deles novamente. Dentro do universo dos milhos crioulos, afinal, o que é um milho colorido? Qual a diferença para o milho amarelo?

Milho crioulo negro, para pipoca

Milho crioulo, para comer verde ou fazer farinha.

A trajetória de um milho



Cada agricultor traz o seu, identificado



Milho crioulo no Encontro de Sementes Livres
Antes de responder essa pergunta, é preciso entender o que é o milho. Ele é uma planta criada pelo homem, mas com as tecnologias agrícolas dos nossos ancestrais, há muitos milênios, mais de 7.000 anos. Inicialmente, o milho era um capim ramificado, sem sabugo e com poucos grãos, e cada um deles coberto individualmente por palha, chamado teosinto. Era muito parecido com um ramo de trigo. Esse teosinto ou milho primitivo foi sendo plantado e selecionado para maiores grãos, plantas menos ramificadas e mais produtivas e até mesmo para espigas com palha - essas definitivamente surgiram pelas mãos do homem. O teosinto e o milho sofreram cruzamentos ao longo do tempo, e cada localidade desenvolveu seus tipos de milho - alguns com as espigas arredondadas, outro com as espigas compridas, grãos longos, achatados, arredondados.

Milho com cada grão envolto em palha:
provavelmente o milho já foi assim no passado.
Variedade "tunicata", sem grande utilidade comercial.
Encara descascar grão por grão?
Milho crioulo é todo o milho que não foi apropriado pela indústria, ou ainda, variedades tradicionais que passam de geração em geração pelas mãos dos agricultores. Ou seja, são adaptadas ao local de seu desenvolvimento, possuem muita história e claro, não tem custo nenhum para seu uso, deixando o agricultor totalmente autônomo. Muitos dizem que os milhos desenvolvidos pela indústria são mais produtivos, e isso é verdade. Mas para essa produção, precisam de um uso alto de fertilizantes, de muitos tipos de veneno e claro, degradam o solo, contaminam a água e deixam o agricultor doente - o que não falta são relatos de intoxicação por agrotóxicos. 

Há muitos estudos muito interessantes sobre o rendimento do milho crioulo em relação ao convencional, tendo praticamente a mesma performance nas condições de campo dos agricultores, sendo muitas vezes mais resistentes à pragas e não necessitando de veneno nem de fertilizantes. Ou seja, além de gratuito, sua produção não demanda compra de insumos, o que é perfeito para os agricultores que produzem de forma orgânica e agroecológica. Um trabalho que recomendo a leitura é esse aqui. De qualquer forma, o interessante é o produtor ter acesso a muitas variedades de milho, e ele mesmo escolher qual a melhor para o seu tipo de cultivo e para a sua finalidade. Os critérios podem ser a cor, o rendimento, o formato da espiga, a beleza, o tempo de cozimento, a qualidade da farinha, a altura da planta, a textura da palha, o tempo de produção, enfim, todas variáveis que ele não é capaz de escolher quando compra um grão comercial.

Sempre que você ler algo como "milho crioulo vermelho", saiba que essa informação está incompleta. Uma semente crioula tem história e ela deve ser passada para quem tem acesso à semente. Apenas a cor do milho não indica se é milho de pipoca ou de farinha, precoce ou longo, de sequeiro ou de baixada, por quem foi cultivado, onde foi cultivado. Fique atento, especialmente se conseguir sementes crioulas - descubra o máximo que puder sobre elas. Não deixe o conhecimento se perder!

Milhos para chicha, na feira boliviana Kantuta em SP.

Milho "mote" boliviano na feira Kantuta - SP

Milho azul para pipoca ou farinha na feira Kantuta - SP.

Milhos crioulos, ganhos e plantados.

Milhos crioulos em Belém, no Congresso de Agroecologia.

Milhos crioulos em Belém, no Congresso de Agroecologia.

Milhos crioulos em Belém, no Congresso de Agroecologia.
Podem ser de todas as cores, tipos, formas, tamanhos, usos. Mesmo um milho amarelo pode ser crioulo (vi gente achando que milho "colorido" é sinônimo de crioulo). O milho amarelo é o mais comercializado atualmente, especialmente as variedades híbridas e transgênicas. Para saber as diferenças, é simples. O milho transgênico é feito em laboratório, com a inserção de genes de outros seres, que nunca cruzariam com o milho naturalmente. Dessa forma, cria-se milhos resistentes para receber mais e mais banhos de veneno, que são tão tóxicos que os milhos normais não resistiriam. Afinal, quem quer comer tanto veneno assim? Eu que não! Outros tipos de milho recebem genes de bactérias e produzem toxinas que evitam que sejam comidos por insetos.

Outro problema causado pelo uso de transgênicos é o fato de que eles contaminam as plantações vizinhas com seus genes. Com o vento, seu pólen, carregando informações genéticas, é transmitido para outras plantações de milho não transgênico, invadindo os genes das próximas gerações e modificando o milho crioulo. Alguns estudos sugerem que a distância mínima de plantio em relação a outras culturas é de 400 metros,  mas há relatos indicando que mesmo assim ocorre contaminação. E nem sempre essa prática é seguida. Isso se reflete em perda de biodiversidade, que não pode ser estimada e pode ter sérios efeitos a curto, médio e longo prazo. Vale a pena correr esse risco?

Eu sou contra a transgenia a partir do momento em que o agricultor perde sua autonomia e depende unicamente do mercado, a partir do momento que se usa mais e mais veneno e ele destrói a natureza e a vida humana, a partir do fato de que o consumo de transgênicos não é comprovadamente seguro (se fosse, porque retiraram a informação de que é transgênico dos rótulos de alimentos? Se fosse algo bom esse fato seria divulgado, e não escondido, não?). 

O milho híbrido, por sua vez, não tem genes de outras espécies implantados, e é produzido através do cruzamento de duas linhagens puras, resultando em um milho de qualidade na primeira geração. Se o agricultor plantar novamente esse milho, nascerá pequeno, fraco e diferente do milho comprado, obrigando-o a comprar sementes novamente. Ou seja, a guarda das sementes passa do agricultor para a indústria, tornando-o dependente, escravo da compra dessas sementes. Ao contrário, as sementes crioulas possuem grande vigor genético e são propriedade do agricultor, mais adaptadas ao seu local de desenvolvimento e ainda por cima, ele não terá que gastar um centavo para ter seu plantio de milho. Semente crioula é autonomia!

Conforme a EMBRAPA: "Os híbridos só têm alto vigor e produtividade na primeira geração (F1), sendo necessária a aquisição de sementes híbridas todos os anos. Se os grãos colhidos forem semeados, o que corresponde a uma segunda geração (F2), haverá redução, dependendo do tipo do híbrido, de 15 a 40% na produtividade, perda de vigor e grande variação entre plantas." 

Eu cresci achando que os milhos eram amarelos, e que milhos crioulos só existiam fora do Brasil. Mas que engano! Primeiramente, milhos podem ser de todas as cores e usados para os mais diversos fins, de plantas de meio metro a plantas de quatro metros, de milhos para fazer pipoca até milhos que servem para fazer chá e suco. Se tiver curiosidade, vá em uma feira agroecológica de troca de sementes para descobrir quantas variedades os agricultores cultivam. Mesmo aqui em São Paulo, os grupo indígenas como os Tendondé Porã e os Krukutu possuem suas variedades de milho crioulas, seu patrimônio e tecnologia agrícola na forma de grão. Ou seja, mesmo na cidade de São Paulo há cultivo de milho crioulo. Nas feiras agroecológicas que tive a oportunidade de conhecer, troquei e recebi muitos tipos de milhos, como a ocorrida em Pardinho, ano passado, e relatei aqui.

Tudo isso pra contar que tempos atrás ganhei algumas sementes de milho negro para pipoca, plantei uma semente, ela deu origem a um pé de milho que deu uma espiga. De um grão para uma espiga, já dá pra ver que o milho é um bom investimento, não?

Milho negro de pipoca, no meu quintal.
Uma apostila incrível sobre cultivo e plantio de variedades crioulas, em linguagem acessível e lúdica, clicando aqui.

Para quem quiser comprar milhos crioulos, existem alguns há venda na internet - mas nunca dá para saber a procedência. Na dúvida, converse com agricultores de sua região. E fique de olho em anúncios do tipo "mercadolivre", muitos milhos vendidos lá são trazidos de fora do Brasil e não produzem aqui, especialmente variedades andinas, bolivianas e peruanas.

O México é o país com mais variedades de milhos no planeta, listando 64 raças das mais de 200 do mundo, e dentro de cada raça, uma infinidade de variedades. Essa página maravilhosa mostra cada uma dessas raças de milho, clicando na figura, na parte superior da página.

Por fim, divulgando, pra quem não gosta de comer veneno nem lixo produzido pela indústria, vale conferir os eventos promovidos na Festa Junina Livre de Transgênicos  pessoal do Slow Food.

Colaborou com esse texto: Glenn Makuta, biólogo, ativista e membro do Movimento Slow Food Brasil.
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...