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quarta-feira, 9 de agosto de 2017

Bolo de araruta com a raiz inteira


A araruta (Marantha arundinacea) está mais para uma memória do que para um ingrediente do dia-a-dia, que se encontra por aí. Se procurar no google, vai ler sobre seus benefícios, vai encontrar receitas com sua fécula, até mesmo cartilhas sobre como plantá-la. Mas pouca informação sobre como encontrá-la ou como usa-la na culinária.

A araruta é uma planta alimentícia que corre risco de desaparecimento, porque foi esquecida, é pouco usada, e por não ser reproduzida por sementes, e sim por rizomas, depende de replantio constante para se manter .

É uma planta nativa do Brasil, que forma uma pequena touceira, ornamental, parecida com as folhagens de maranta ou de caeté - aquela cara de planta de beira de rio, de quintal de vó. Muita gente, aliás, as confunde com as da cúrcuma, mas as raízes são muito diferentes. Se não confiar na visão, confie no olfato - as folhas da cúrcuma tem um cheiro que lembra manga verde, enquanto as da araruta são insípidas.

A folhagem, vigorosa, gosta de solos soltos,
de preferência bem drenados.

Aqui, recém brotada depois de hibernar no inverno,
entre linha de milho e tupinambo.
Ela tolera algum sombreamento.
A parte mais usadas são as raízes, da qual se extrai um amido finíssimo, usado antigamente em mingaus, bolos, biscoitos e pães, chamado de fécula de araruta. Ele tem algumas propriedades interessantes - gelatiniza em temperaturas mais baixas, tem sabor neutralíssimo e forma um gel incolor - ao contrário do amido de milho ou fécula de mandioca, que perdem a transparência quando cozidos.

As raízes, contudo, são fibrosas e duras, e quando cozidas possuem uma textura que lembra um misto de pinhão e broto de bambu, com sabor suave. Já encontrei algumas variedades, divididas de forma grosseira pelo seu formato: uma com formato mais alongado, chamado de seta, e uma de formato mais oval, chamada também de redonda, ovo-de-pata ou tamoatarana. Dentro desse segundo grupo, mais arredondado, há algumas mais macias e suaves para cozimento, enquanto a mais longas, do tipo seta, são bem fibrosas e impalatáveis.

A colheita é farta. Plantada junto com cúrcuma,
jacatupé e tupinambo.

Para ter uma ideia do tamanho dela. A casca sai facilmente
nas mãos, é bem pática de preparar.

A araruta tem, segundo estudos que encontrei, entre 10 e 20% de rendimento do seu peso fresco em fécula. Ou seja, é preciso 1kg de raízes para obter entre 100 e 200gr da sua famosa fécula, muito menos do que a mandioca, que chega a render o triplo. Talvez por essa razão, seja um produto caro de ser produzido, sendo comum encontrarmos falsificações, em geral usando fácula de mandioca (polvilho doce). Para não cair na enganação, é simples: teste um pouco com água e aqueça. Se formar um gel liso e incolor, é araruta. Se formar uma massa mais viscosa e opaca, é de mandioca.

O processo de extração do polvilho é simples, mas um pouco trabalhoso: é preciso descascar as raízes (facil de ser feito com as mãos, é apenas uma palha seca que se solta facilmente). Até aí, ponto pra araruta, que não tem a casca dura da mandioca. Depois, elas são lavadas, cortadas em pedaços e batidas com água gelada, onde o amido se desprende da polpa. Depois de coado, sobra um líquido leitoso, que, deixando decantar, se separa da água e vai para o fundo - eis sua fécula ou polvilho. Depois disso é seca e triturada, para virar pó fino.

Para os meus poucos quilos colhidos no quintal, nem nem um quilo da fécula renderiam, eu achei muito trabalho e muito desperdício. Por sorte, recebi uma dica no meu campo do mestrado, na cidade de São José do Barreiro. A Tina Soares, que veio da roça e conhece os campos da Bocaina, e além de conhecer uma série de coisas legais sobre os ingredientes da terra, comentou fazer o bolo com a raiz inteira. Pedi a receita, e ela me deu diretrizes bem vagas: faça como o bolo de mandioca com coco, ralando a raiz inteira e adicionando-a a massa.







Depois de uma tentativa frustrada com o processador, notei que a raiz insiste em nos chamar ao passado. Explico: não adianta querer facilitar e usar o processador elétrico, porque ele rala de forma desigual e as fibras longas e elásticas como fios de seda não se partem - e você terá um bolo de textura bem estranha. Então, rale as ararutas no ralador manual, no sentido oposto ao da fibra, na mesma posição das mãos que se usa para fazer rodelas. A raiz é macia e rala com facilidade, soltando muito líquido e resultando em uma pasta branca e sem cheiro.

A receita é a seguinte:

1/2 kg de araruta descascada e limpa
4 ovos inteiros (remover a pele das gemas)
1 e 3/4 de xícara de chá de açúcar
100 g de coco ralado grosso
150 ml de leite de coco (ou leite vegetal, ou leite animal)
3 colheres de sopa de manteiga derretida
1 pitada de sal
3 colheres de sopa de farinha de trigo
1 colher de sopa rasa de fermento em pó
Manteiga e farinha de trigo para untar

As ararutas devem ser descascadas e raladas. Bata-as no liquidificador com o leite de coco, os ovos, a manteiga e o sal, até formar uma pasta grossa e homogênea. Em um recipiente, adicione o açúcar, a farinha, o coco ralado e misture. Por fim, adicione o fermento. Coloque numa forma untada com óleo e farinha. O forno deve ser preaquecido a 180 graus e o bolo leva aproximadamente 90 minutos para assar.

Para conseguir mudas, vale procurar com os agricultores da sua região e nas hortas urbanas - o período em que estão disponíveis para comercialização é só durante o inverno. Para aprender como cultivar, há uma apostila bem didática aqui, para dowload.
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