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Um pouco de tudo que se encontra em um mercado cusquenho. |
Recentemente tive a oportunidade de conhecer o Peru, e fiquei intrigado sobre como faltam informações na internet a respeito dos alimentos nativos da região. É curioso que se fale muito de pratos, como o ceviche, mas pouco das frutas nativas incríveis que esse país possui.
Fiquei encantado com o Peru porque ele combina litoral, Andes e floresta amazônica, numa mistura de climas que vão do desértico ao mediterrâneo ao tropical. Então, você encontra de cupuaçu até cerejas no mercado, tudo colhido naquele país.
Os Incas eram um povo com tecnologias agrícolas incríveis, e conseguiram aclimatar diversas plantas que não são originalmente daquela região, de forma que é muito rico e muito biodiverso. Batatas, inúmeras. Milhos, milhares. Tudo muito colorido, assim como a roupas típicas e os pratos.
Fiz uma pequena lista de ingredientes que você deve provar quando for para lá - assim como pode tentar trazer para consumir por aqui.
Algo que estranhei por lá é que os ingredientes nativos são pouco ou nada explorados nos restaurantes. Fiquei abismado como para beber não há um bom suco nativo - predomina a chicha, um chá de milho roxo, ou refrigerantes. Para os pratos cozidos, o acompanhamento era batata ou milho branco - das muitas variedades de raízes que eles possuem, é pouco.
Só não vá chamar de PANC - por aqui não são nada convencionais, mas por lá, são convencionais, cheias de tradição e história.
Tumbo (Passiflora molissima)
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A polpa é laranja, ácida e muito perfumada. |
Não à toa é chamado de maracujá-banana, é muito curioso seu formato. Nos primeiros dias, eu estava convencido de que se tratava de um pepino local, até que vi um pé carregado de frutos - desconfiei que fosse um parente do maracujá. Sói quando provei o fruto constatei - é um maracujá, e delicioso. A polpa é laranja com um sabor ácido e único - lembra um pouco o papaya. Achamos fenomenal, mas ficamos chateados que ele não produz aqui - precisa de altitude e climas frios. Talvez no Vale do Paraíba? Lá no Peru há um certo preconceito com essa fruta - é considerada comida de pobre, por isso, fora dos cardápios e cafés da manhã.
Pepino, pepino dulce (Solanum muricatum)
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O fruto está pequeno, mas pode chegar a meio quilo. |
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as flores de melão andino, na horta da USP. |
Esse tem aqui no Brasil, chamado de melão-andino, cultivado no Sul e Sudeste. Os daqui do Brasil são meio insossos e com perfume suave, mas os frutos andinos são incrivelmente aromáticos e saborosos. Parente do tomate, por dentro tem polpa suculenta e doce, com aquele umami maravilhoso de um tomate maduro, além de acidez. Lembra melão, mas não é idêntico. Uma fruta deliciosa para suco ou sobremesa. Acho que a minha favorita. Pega por estava facilmente e é cultivado e meia-sombra.
Lucuma (Pouteria lucuma)
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Comer de colher é uma boa idéia. |
Por fora, parece um abacate redondinho - por dentro, tem um caroço grande a polpa amarelada, seca e farinhenta, igual gema de ovo. Aqui no Brasil temos uma espécie-irmã, o canistel. Apesar do pouco sumo e da textura massuda, tem sabor de tâmara. Idêntico. Fico imaginando centenas de receitas com ela, substituindo esse ingrediente tão caro que é a tâmara (taxas de importação, monamu). Minha mão coçou para trazer semente, mas não tive coragem.
Apesar de não ser nativo dos Andes propriamente, é facilmente encontrada por lá.
No Peru se faz sorvete, que fica com sabor entre o caramelo e a passa, sensacional. Ainda pouco explorado, sem amargor e o gosto forte do canistel, tem um potencial grande de mercado. Muito nutritiva, uma fruta pequena pela manhã garante energia e disposição para horas!
Tomate de Arbol (Cyphomadra betacea)
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Abundante nos mercados |
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Na feira, são vendidas mudas. |
O nosso famoso tamarillo, ou tomate de árvore, é vendido na seção de legumes dos mercados de lá. É comum ver arbustos dele pela cidade ou nos quintais, como uma fruta doméstica. De sabor que lembra tomate com um monte de frutas, é preciso manusear sua casca com cuidado - caso contrário, fica amargo. É doce e delicioso - eu comia de colher, o que chocava os peruanos, que o consomem cozidos. Vai bem aqui o Brasil, em regiões de clima mais ameno.
Mote com Queso e Milhos Coloridos
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São comuns nas feiras, comida de rua. |
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Mote com queso. |
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Na empanada, com acelga. |
Mote é esse milho branco gigante, considerado típico da região de Cusco, adocicado, muito macio e saboroso. Um dos melhores milhos que já provei. Ele é servido tradicionalmente com uma fatia de queijo curado, vale provar a combinação dos dois. Entra também no recheio de empanadas, emprestando doçura.
Os milhos coloridos cozidos, sejam secos ou verdes, são mais difíceis de achar mas valem à pena - são saborosos e cada um tem seu charme. Notei que os pés são pequenos - enquanto por aqui ficam enormes, por lá não passam de um metro e meio. Será a altitude?
Huacatay (Tagetes minuta)
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Essa é a planta nascendo em uma ruína histórica! |
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No mercado ela vem assim, em maço. |
Tempero obrigatório de pratos peruanos típicos - se for em restaurante, peça para trazer de acompanhamento, porque eles só trazem se você pedir. Parente do tagete, tem aroma complexo, cítrico e refrescante - um cruzamento de manjericão, coentro e casca de limão. No mercado de San Pedro, é usado em molho para pescado, como condimento do locro de zapallo (sopa de abóbora gigante). Não deixe de provar - para mim, o sabor da culinária Andina vem desse tempero.
É uma planta espontânea, parente do cravo-amarelo, que nasce lá por toda parte. Para nós, uma PANC comum em beiras de estrada brasileiras. As variedades daqui são amargas, as de lá, não. Eu achava forte e não tive coragem no Brasil - mas por lá entendi como se usa - picadinho, como salsinha.
Papalisa, oca e mashua
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As coloridas: oca. As amarelas: mashua. |
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Nos mercados, infinitas variedades. |
Devo ter falado dessas três batatinhas aqui no blog, lá trás, no começo. São plantas rústicas, tolerantes ao frio, ao tempo seco e a solos pobres. Falei da papalisa (
Ullucus tuberosus)
aqui, e da oca (
Oxalis tuberosa)
aqui. A papalisa é parente da bertalha, são pequenas batatas muito coloridas de textura macia, que se consomem cozidas, de sabor suave e neutro. A oca, por sua vez, é um trevo batateiro muito saboroso e adocicado, que possui infinitas cores, tamanhos e variedades. Assado com o fio de azeite é uma iguaria.
A mashua (Tropaeolum tuberosus) é a capuchinha batateira, que tem pequenas raízes cujo sabor, quando cozidas, lembra o nabo. Se consumem também as folhas, como da capuchinha. No foto, são as raízes amarelas. A planta é um encanto, belíssima.
Maiz morado e a chicha
Maiz morado é aquele milho quase preto muito comum por lá, usado basicamente na forma de chá adoçado. O milho com seu sabugo são cozidos com especiarias, às vezes com frutas como maçã, morango, abacaxi ou limão e servido gelado. É uma delícia. Para consumo cozido, os grãos são duros e secos - apesar disso, rendem boas tortillas (mas daí é invenção minha).
Porotos
Se parecem com feijões, mas tem uma particularidade - são consumidos assados. Quando colocados em forno baixo e assados como o amendoim, eles explodem e ficam graúdos e crocantes, muito saborosos. É uma comida de festa. Um dos poucos feijões com essa capacidade, de estourar ao ser aquecido à seco.
Aguaymanto (Physalis peruviana)
A nossa comum fisális, juá-de-capote ou camapu. A variedade vendida por lá é graúda, muito doce e deliciosa, com pouca acidez. Além de baratíssimo - o valor do quilo lá equivale a 100gr aqui, ou seja, aqui é 10x mais caro. Se faz com ela geleias e sucos, apesar de ser pouco explorada localmente. É comum ver moitas carregadas ao longo das estradas - deve ser uma planta espontânea por lá.
Chirimoya (Anonna cherimola)
Parente da nossa atemóia (aliás, é a mãe da nossa atemóia, que é um híbrido com a fruta-do conde ou ata). Doce, muito saborosa e perfumada, usada em sucos, sorvetes e sobremesas.
Sauco (Sambucus peruviana)
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Nos mercados é comum sua geléia, assim como a de fisális e de batata yacon. |
Praticamente uma berry, oriunda de uma árvore andina. Frutos negros, pequenos e adocicados, cuja safra se dá no verão. Muito comum na arborização urbana de Cusco. É usada em xaropes, geleias e como cobertura de pudins.
Pimentas (aji e locoto)
São duas pimentas típicas. A aji amarillo, é a base da culinária, muito saborosa, perfumada e com picância considerável, é transformada em pasta e adicionada como base de sabor para pratos como papas a la huancaina. A locoto ou rocoto é maior, e apesar de ardida, é feita recheada e frita, no prato rocoto relleno, absolutamente delicioso.
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Na foto: ervilhas, aspargos, repolho, chuchu-de-vento, milho mote, aji rojo, rocoto, tamarillo. |
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A pimenta recheada e frita, na versão vegetariana - porque não como bicho morto :) |
Tuna (Opuntia ficus-indica)
A tuna é o nosso figo-da-índia, que não é figo nem da índia, mas fruto de um cacto andino. Muito saboroso, de polpa doce e suculenta, repleto de sementes durinhas. Vendido nas ruas, existe da polpa amarela, rosada e vermelha. É preciso remover a entrecasca e tomar cuidado com eventuais espinhos.
Muña (Minthostachys mollis)
A menta peruana. Nativa das regiões de altitude dos andes, é uma erva rasteira muito aromática, que combina o sabor da menta, da hortelã e do poejo. Muito comum por lá, é digestiva e aromática, servida acompanhando todas as refeições. Um chá delicioso, vende baratinho nos mercados - vale trazer um estoque para tomar no inverno.
Granadilla (Passiflora ligularis)
Um tipo de maracujá doce local. A casca é muito dura e quebra igual uma casca de ovo. A polpa é clara, perfumadíssima e muito doce, quase sem acidez. Uma fruta maravilhosa para comer às colheradas, ou ainda para drinks.
Batatas, de todos os tipos
Peru é a terra da batata. Há infinitos tipos, uma para cada uso. Há coloridas, e as azuis são lindas! Vale provar! Se seu hostel tiver cozinha, sua janta está garantida.
Chichas
São bebidas fermentadas vendidas em feiras. Apesar de vendidas em baldes, o que dá uma péssima impressão, são bem gostosas - ainda que com açúcar demais. Trazem usos diferentes para ingredientes como a quinua e o amaranto. Algumas, como a de quinua com maçã ou com morango, lembram o yakult, enquanto outras lembram um leite de soja azedinho. Elas vem em um saquinho que você fura e bebe - lembra do Muppy (leite de soja de saquinho) de antigamente? É igual.
ONDE COMPRAR (em Cusco):
Mercado San Pedro - vale explorar. Chegue cedo e não tire fotos sem permissão. As nativas não gostam de turistas, não insista em perguntas se não for comprar. Vale provar as vitaminas de frutas, os bolos coloridos, e no fim do mercado, pratos vegetarianos como o locro de zapallo e aqueles à base de tremoço branco, chamado de tarwi ou tarhui. Há churros de batata doce amarela vendidos na porta, assim como frutas de todos os tipos. Prove as chichas, em especial a de quinua com maçã. Há ainda queijos curados, pães gigantes e barracas de plantas alucinógenas (coca, peyote, mescal, san pedro, psilocybe e yopo). Fuja da parte do açougue.
Mercado Wanchaq - fora do circuito turístico, com muitas opções de frutas. Não se assuste com os animais mortos à venda, como porquinhos da índia e porcos. Não é bonito, mas vale a experiência.
Supermercado Mega (em frente à praça Tupac Amaru) - supermercado com grande oferta de ingredientes típicos, bom para frutas frescas, legumes, cervejas e geléias. Ótimos preço, uns 20 minutos do centro.
Feira de Sábado da Plaza Tupac Amaru (Bairro Wanchaq) - Fora do circuito turístico, praticamente só frequentada por nativos. Bons pratos típicos, música, dança, frutas e verduras. Vale sair do centro e se aventurar. Adoramos! Chegue a partir das 11h, antes disso está tudo ainda fechado.
Vrinda - Em frente à Plaza San Franscisco, um refúgio com ótimas comidas vegetarianas à preços populares. Prove o rocoto relleno e as empanadas de acelga.