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quarta-feira, 25 de novembro de 2015

Vegetarianos e as plantas alimentícias não convencionais

Ao longo desses dois últimos anos de pesquisa e troca de informações sobre ecogastronomia e biodiversidade alimentar, aprendi que monotonia alimentar é algo ruim. Primeiro, para a saúde, porque a alimentação, quanto mais diversa, melhor. Em segundo lugar, pela valorização da biodiversidade, compreendendo que há coisas além daquilo que é vendido no mercado. Aliás, já parou pra pensar em quem será que escolheu que certas espécies iriam para o mercado, e outras não? Terceiro, comida e felicidade são atreladas. Comer algo que te você mesmo fez, que você mesmo colheu, que você plantou, isso te deixa feliz, e a felicidade faz bem pro corpo e pra alma.

Engana-se quem pensa que sou um utilitarista glutão, que percorre as ruas em busca de qualquer coisa que possa consumir. Ou que na minha casa eu consumo coisas "estranhas" em todas as refeições do dia. Para mim, aumentar a biodiversidade alimentar no meu dia-a-dia simboliza, em primeiro aspecto, a autonomia de poder conseguir alimento sem necessariamente precisar pagar por ele ou adquiri-lo nos meios tradicionais - eu tento ao máximo não ser escravo do supermercado. Na verdade, não ser escravo de nada.

Outra questão que tem pesado bastante é a questão do orgânico, um alimento limpo e justo, de baixo impacto ambiental e com menos danos à saúde do que um alimento banhado em veneno (o Dossiê da Abrasco é especialmente recomendado para quem acha que o veneno do dia-a-dia não faz mal). As PANC, por não serem cultivadas em sistemas de monocultura e por serem em geral, mais resistentes, dispensam o uso de fertilizantes e agrotóxicos.

Outra questão evidente é o interesse do grande público, especialmente o vegetariano, sobre novas formas de se relacionar com o alimento e novas opções para ampliar ou complementar o cardápio. Tenho a impressão de que os vegetarianos consomem uma variedade muito maior de vegetais do que um não-vegetariano, e não falo apenas de mim,, que sou vegetariano (já reparou que não aparecem pratos com carne no blog?). Muitos me contatam ou frequentam nossas oficinas e alegam ser vegetarianos buscando alternativas para complementar a alimentação.

Mas, afinal, as PANC tem realmente algo a oferecer além dos vegetais tradicionais?

A resposta é: depende. Depende do que estamos comparando. Mas alguns autores sugerem que sim, algumas espécies não cultivadas (os matos comestíveis), espontâneas ou daninhas, tem um desempenho superior à algumas cultivadas em relação ao aproveitamento de nutrientes do solo, sendo muitas vezes consideradas comparativamente mais nutritivas. Por outro lado, consumindo gêneros que são pouco usados pela agricultura (bertalhas, urtigas, amarantos) estamos garantindo fontes diferenciadas de alimento de qualidade e com uma composição nutricional única.

Existem estudos que indicam que certas espécies, possuem, de fato, um teor nutricional superior quando comparadas à suas análogas convencionais, especialmente em nutrientes que os veganos e vegetarianos precisam selecionar com cuidado na dieta: as proteínas, o ferro, o cálcio e o zinco.

Sobre as proteínas, uma informação importante. Das plantas com teores altos de proteínas foliares, há uma porção delas que vale à pena citar, mas lembrando que, infelizmente, não importa quão rica seja uma folha, como regra geral as folhas não possuem proteínas de alto valor biológico e portanto, não devem ser a principal fonte de proteínas de uma refeição, devendo ser complementadas com cereais e leguminosas. Um nutricionista, é claro, vai saber fazer as recomendações necessárias para cada caso. A mim, cabe ajudar a identificar as melhores opções.

Ora Pro Nobis (Pereskia aculeata, Pereskia bleo, Pereskia grandiflora)


Essa planta está famosa devido à popularização de suas propriedades nutricionais, especialmente as proteínas. Tem sido referenciada como "a carne dos pobres". Claro, isso seria um exagero, mas de fato essa hortaliça possui valores significativos de proteínas de alta qualidade. Deve ser consumida preferencialmente cozida, ou crua em pequenas quantidades, por conter alguns antinutrientes. Alguns estudos, como esse, apontam que o cozimento ajuda a remover algumas substâncias indesejadas e ainda melhora o teor nutricional da planta. É rica em cálcio, magnésio, zinco e manganês, além de ser uma excelente fonte fibras alimentares. Como porém, sua textura escorregadia pode ser minimizada em caldos e sopas, ou em pratos mais secos, como farofas e pães. Multiplica-se facilmente por estacas de caule.

Bertalha-Coração (Anredera cordifolia)


Sim, verduras trepadeiras existem, e a bertalha é uma delas. Dela aproveita-se não só as folhas como as prolíficas batatinhas aéreas, macias e saborosas. As folhas possuem usos medicinais e são consideradas um alimento nutracêutico pelo seu potencial anti-inflamatório e cicatrizante. Por ser trepadeira, recomenda-se plantar onde possa subir. Multiplica-se facilmente por bulbos e estacas de caule.

Beldroegão ou Major Gomes ou Cariru (Talinum paniculatum, Talinum triangulare)


Saborosa e nutritiva, essa verdura tem aprovação unânime em todas as degustações que fizemos. Suas folhas tem bons teores de proteínas, são ricas em vitaminas A, E e C, possuem altíssimos valores de magnésio, ferro, zinco e de quebra, são boas fontes de fibras. O consumo pode ser cru ou cozido, e é muito saborosa e versátil. Multiplica-se por sementes, crescendo bem em locais sombreados e úmidos.

Urtiga (Gêneros Urtica, Urera, Laportea, Boehmeria e Parietaria)


Apesar do nome assustador, algumas urtigas são comestíveis, e vale dizer, deliciosas. A urtiga européia, que ocorre nas regiões mais frias do país, é usada em sopas, guizados e bolinhos. Para urtigas urticantes, especialmente a do gênero Urera, a recomendação é consumí-las unicamente cozidas, sabendo que o calor desativa a urticância. Para as urtigas mansas, devem ser apenas branqueadas e algumas delas podem ser até mesmo utilizadas no suco verde.  A Urera baccifera, comum em muitas regiões de mata, é a mais urticante. A Urera caracasana, a Urera aurantiaca, pouco urticantes, são refogadas e degustadas como couve ou espinafre, em suas infinitas possibilidades. Temos ainda Urtigas do gênero Laportea e Boehmeria. Em comum, são super-alimentos, estando no grupo das folhas mais nutritivas conhecidas: ricas em proteínas, possuem teores valiosos de cálcio e magnésio. Podem ser plantadas em vaso, em canteiros sombreados ou coletadas em matas e capoeiras.

Picão (Bidens alba, Bidens pilosa)


Sim, aquele picão que enche sua calça de agulhinhas negras é comestível. As folhas e brotos comem-se refogados como espinafre ou cozidos para aumentar o valor do arroz ou do feijão. Possuem teores altos de proteínas, de ferro e de vitamina A. Devem ser consumidas apenas cozidas. Produzem um excelente chá, especialmente acompanhando limão. Chá gelado de mato!

Guasca (Galinsoga quadriradiata, Galinsoga parviflora)


Também chamada de picão branco, além do sabor delicioso de alcachofras que perfuma qualquer prato, possui teores altos de cálcio e magnésio, além de bastante fibras. Quando a comida estiver sem gosto, acrescente um punhado de folhas de guasca e cozinhe - magicamente, o prato vai ficar saboroso. Pode ser usada desidratada na forma de pó para ser usada como um caldo instantâneo caseiro, rico em sabor e minerais.

Tansagem (Plantago major, Plantago lanceolata, Plantago australis, Plantago tomentosa)


Além de rica em cálcio e proteínas, possui propriedades medicinais incríveis, usada para combater e prevenir problemas digestivos e inflamações. De sabor marcante, suas fibras são firmes, portanto deve ser cortada finamente para que fique boa de mastigar. Uma adição interessante para refogados e saladas, para dar cor, sabor e nutrientes. Seu chá é cicatrizante interno e externo. Gosta de umidade e sombra, e fica linda em vasos à meia-luz.

Caruru (Amaranthus ssp)



O nome caruru é dado para várias espécies de amarantáceas de folhas comestíveis. Esse da foto é o Amaranthus viridis. Todas possuem um sabor profundo de espinafre e devem ser consumidas cozidas. São ricas em fibras, proteínas e ferro, além vitamina A e betalaínas. As sementes também podem entrar na cozinha como "cereais". São plantas que gostam de solo fértil e úmido a pleno sol, desenvolvendo-se muito rápido. Podem substituir o espinafre com perfeição em qualquer receita.

Folha da Batata Doce (Ipomoea batatas)


Eu não me canso de divulgar o uso das folhas da batata doce. São absolutamente deliciosas, de facílimo cultivo e com muitas propriedades: ajudam a digestão, são antioxidantes, combatem o envelhecimento, são quimiopreventivas, altamente nutritivas e ricas em proteínas, cálcio, magnésio, manganês e compostos fenólicos, que lhe fornecem propriedades medicinais. Deve ser usada unicamente cozida. Você não vai querer saber de outra coisa para seus pães, bolos, tortas, suflês e molhos.

Vantagens no consumo de plantas alimentícias não convencionais:
  • Muitas delas são mais resistentes, portanto dispensam fertilizantes e venenos, sendo, portanto, orgânicas.
  • Ajudam a complementar e dar uma nova cara a pratos do dia-a-dia. Arroz com picão? Abóbora assada com pesto de ora-pro-nobis? Pão de bertalha? Refogado de feijão verde e tansagem? Creme verde de urtigas? 
  • Aumentam seu repertório de sabores e a sua criatividade culinária.
  • São uma porta para conhecer sabores de outras culturas: o picão é usado em pratos na Ásia; a guasca é usada em sopas na Colômbia; a urtiga é muito usada na Itália; que tal provar pratos já consagrados que usam essas plantas?
  • São fáceis de cultivar e podem ser plantadas em casa.
  • Podem ser coletadas em praças e parques, desde que em locais limpos, longe de tráfego de carros e esgoto. Portanto, geram autonomia e empoderamento.
  • Possuem um perfil nutricional diferente daquele encontrado nas hortaliças convencionais.
  • Em certos aspectos, são mais nutritivas que muitas hortaliças folhosas tradicionais, como a couve, o brócolis, o alface e o espinafre.

segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Saímos na CARTA CAPITAL!

Saiu essa semana nossa entrevista na Carta Capital. Ficamos imensamente felizes com a oportunidade e queremos agradecer o feedback que tivemos logo nos primeiros dias de publicação da entrevista. Há a versão impressa também, já está nas bancas. Quem quiser conferir online, segue o link:

CARTA CAPITAL

Agradecimento especial para a Tory Oliveira, essa jornalista de mão-cheia que nos prestigia com tanto carinho!

quarta-feira, 11 de novembro de 2015

Chaya, Espinafre de árvore


Folhas de Chaya, variedade "estrella".
É uma pena que não tenhamos a chaya em todas as feiras do Brasil. Nativa do México, essa hortaliça folhosa forma uma arvoreta de até 6 metros de altura, e possui folhas comestíveis. As folhas, parecidas com a da mandioca, são deliciosas e sabem à couve, escuras e vitaminadas. São deliciosas, e além da planta ser rústica, possui um crescimento super rápido. 

Eu acho muito interessante pensar que podemos consumir as folhas de algumas plantas arbóreas. Em geral pensamos nas folhas mais comuns, nas hortaliças, plantas pequenas e de ciclo curto, mas esquecemos que existem boas opções de hortaliças arbóreas. Algumas mais comuns, como a paineira (sim, come-se as folhas jovens, caso consiga alcançá-las), outras menos comuns, como a chaya ou espinafre de árvore. 

Ter como opção consumir algumas folhas de árvores é sempre um bom negócio, porque, como regra geral, plantas com raízes mais profundas conseguem absorver nutrientes que não estão disponíveis na superfície, e certas plantas de pequeno porte não alcançam. Com suas exceções, claro. Árvores são em geral mais resistentes e ocupam pouca área de solo, deixo a área sobre a copa disponível para plantar outras hortaliças. Ou seja, você aproveita os estratos da vegetação e não fica dependente apenas do nível do solo.

Se não podar, as folhas ficam lá no alto!
A chaya (pronuncia-se "txai-a") é uma planta da família das euphorbiáceas, uma família notadamente venenosa. Temos algumas espécies comestíveis, como a mandioca, da qual a chaya é parente próxima. Aliás, são raras exceções, porque essa família possui poucas espécies de folhas comestíveis. A folha da mandioca é uma delas, mas sempre cozida - a maniçoba paraense ferve por muitos dias antes de ser consumida.

A chaya possui as mesmas substâncias da mandioca-brava, mas em quantidades baixas. Na realidade, o que denominamos por chaya é a espécie Cnidoscolus aconitifolius, que possui cinco variedades, variando em teores de ácido hidrocianídrico entre elas. Percebe-se que é uma planta domesticada, onde há diferenças evidentes entre seus cultivares. Cultivar é um grupo de plantas "domesticadas" pelo homem para ter alguma característica, de forma a diferenciar-se da planta original da natureza. Assim, algumas chayas são mais mansas, outras precisam de mais cozimento. Em comum, não recomenda-se consumir nenhuma crua, sendo a fervura um requisito para consumir essa hortaliça.

Chaya da variedade "estrella", no Morro do Alemão
A chaya, aliás, antes de ser domesticada aqui na América central, além de rica em ácido hidrocianídrico, também possuía pelos urticantes que irritam as mãos de quem as toca. As variedades comerciais possuem poucos ou nenhum pelo. Aliás, vamos falar das variedades, porque o preparo delas varia de planta pra planta. As duas que encontrei aqui no Brasil, aliás, foram as não-urticantes.

Variedade "Chaya Mansa", tirada no Jardim Botânico.

As folhas ficam de fato grandes! Variedade "chaya mansa"
Temos 4 variedades cultivadas, todas identificáveis pela folha: chaya mansa, estrella, picuda e plegada. A variedade estrella é a mais alta, alcançando até 6 metros, e não tem pelos urticantes nas folhas, sendo uma das mais consumidas. A chaya mansa possui as folhas menos recortadas e com apenas três lóbulos, possuindo alguns pelos urticantes na folhas (veja foto acima). A variedade chamada plegada possui as folhas em forma de leque, talos curtos e muitos pelos urticantes. Por fim, a variedade picuda tem as folhas fortemente serrilhadas, porte baixo e não possui urticancia.

Retirado do Reporte Técnico "La Chaya" , 2014, da 
Universidade do Vale da Guatemala.
Assim como a mandioca, ela se reproduz por estacas de caule. Recomenda-se usar estacas com no mínimo 5 gemas e com pelo menos 30 centímetros. Os caules devem cicatrizar por pelo menos 24h antes do plantio. Devem ser enterrados 10cm e deixados 20cm para fora, plantando na areia ou em sacos de polietileno em solo ligeiramente úmido à sombra. O crescimento é lento nos primeiros 4 meses, mas chega a crescer 0,7cm por dia e chega a mais de 4 metros após um ano de plantio. Em vaso, como fiz aqui, o desenvolvimento é extremamente lento, mas o desempenho em chão é bem mais rápido.

Estaca com duas semanas começando a germinar

Detalhe do broto.
Estaca feita com a porção apical e o broto, ainda pouco
 lignificado (verde) também dá certo, mas cresce bem
lentamente. Esse possui dois meses desde o plantio.

A ponta da rama na variedade "estrella". Nas variedades
urticantes, os pontos brancos corresponderiam a
espinhos urticantes. Um amor.
Para colher, selecione as folhas formadas, porém jovens, mais macias e tenras. A planta pode ser completamente desfolhada e podada a cada 2-3 meses, regenerando-se completamente. É ideal para sistemas agroflorestais, por crescer como pioneira e tolerar solos secos depois de estabelecida, ocupando o estrato entre 1 e 3 metros.

Qualquer galho pode virar muda.
Para consumir, recomenda-se a fervura ou branqueamento de 5 a 20 minutos, dependendo da variedade. A toxina da folha evapora com o calor, então o cozimento deixa as folhas seguras para consumo. Recomenda-se não inalar o vapor do cozimento da planta. A água, diferente do cozimento da taioba, não precisa ser descartada, pois é nutritiva e saborosa. Um cuidado importante é não cozinhar em panelas de alumínio, que geram uma reação tóxica e podem gerar enjoos, vomito, e tontura. 

Fiquei feliz de saber que tem sido cultivada com sucesso no Rio de Janeiro, como as do Projeto Verdejar no complexo do Alemão. Além de versátil, é nutritiva, excelente fonte de proteína, cálcio, vitamina A, vitamina C, omega-3, tendo o dobro de proteínas da couve ou do espinafre, por exemplo. 

Na cozinha, é usada tradicionalmente cozida ou refogada, como a couve, mas pode entrar em receitas no lugar do espinafre: pães, massas, molhos, tortas, sopas, omelete, arroz, farofa, bolo, ou em qualquer preparo que seja aquecida e possa liberar as toxinas. Eu ficaria bem feliz em encontrar dela nas feiras de orgânicos de São Paulo, porque é saborosa, nutritiva e versátil. Estou apaixonado por ela!

Trazidas do Rio, um tanto amassadas na mala.

Refogadinha com arroz feijão e salada, a textura lembra a
da couve. Mesmo cozida por alguns minutos não perde
a forma, a cor nem a textura.
Ah, sim, se estiver em dúvida, não consuma. Existem algumas espécies com folhas parecidas, porém altamente venenosas, como o pinhão-bravo, a mamona, a batata do inferno. Tenha certeza de que identificou a espécie correta!

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Mutamba perfumada

Frutos da mutamba, ou mutambo
Quando pensamos em frutas automaticamente pensamos em coisas suculentas, doces, úmidas e perfumadas. De fato, a maior pate do que temos como frutas assim o são. Já a mutamba, ou mutambo, possui frutos duros e secos, talvez por isso lhe reservem menos atenção. Apesar da aparência cascuda e da rigidez, não se iluda, porque são saborosos e muito perfumados. 

A mutamba é uma velha conhecida minha, porque lá no sítio há um belo exemplar plantado no terreno do vizinho em divisa com o nosso, e a árvore cresceu a olhos vistos. Os frutos despencam secos no chão e não tem grandes indícios de que sejam comestíveis. Os pássaros já sabiam: periquitos, maritacas e papagaios sempre rondam a árvore, e talvez tenham sucesso no consumo dos frutos devido a seu bico duro.

Foi curioso para mim descobrir que os frutos da mutamba eram comestíveis. Até então eram daquelas capsulas ou vagens de sementes secas e duras que despencam e são gostosas de pisar, crocantes embaixo da sola do sapato. Esse começo de outubro estive em um curso em Botucatu na companhia do casal querido Maia e André, sobre etnobotânica e plantas alimentícias não convencionais. Na frente da sala onde ocorreu o curso, um pé de mutamba carregado. E eles que me estimularam a provar.

Frutos secos, antes de despencarem. No ponto de colher.
Foto daqui.

Os frutos tem um formato característico, redondos, ásperos, negros depois de secos e com cinco fendas que expõem as sementes. Eles despencam e forram o chão no entorno da árvore. A planta, Guazuma ulmifolia, é pioneira de médio porte, crescimento rápido, melífera e com mil e uma utilidades. Nativa e ideal para sistemas agroflorestais, porque produz cedo e proporciona excelente sombra. Aliás, ela é parente próxima do cacau e do cupuaçu, e parente distante do hibisco, da paineira e do quiabo.

Eu sinceramente não esperava nada daquelas bolotas secas e escuras. Mas nunca tinha levado ao nariz! Que surpresa, daquele fruto seco sair um sabor tão diferente, que lembra morango, banana e uma porção de frutas misturadas. Segundo um trabalho da Embrapa, há relatos de que tem sabor que lembra figos secos - apenas para você saber que a percepção de cheiro é subjetiva. O cheiro é forte, lembra algo cremoso, da família dos cheiros da banana, do jatobá e da jaca, para quem tem narizes sem frescuras. Do pouco que colhi, coloquei num saco e deixei no carro. No caminho para casa aquele cheiro foi penetrando, empesteando, dominando o carro. Quando abri o porta-malas quase caí pra trás, uma porção de frutinhas dominou um porta-malas enorme! Aquele cheiro doce enjoativo de bala de tutti-fruti.

Mutamba, perfumadíssima

Já comecei a ter idéias. Como uma coisa perfumada dessas ainda não virou comida? Procurei por registros de uso e a maior parte é medicinal. Aliás, a mutamba é uma árvore super medicinal, de onde se usam flores, caules, cascas e frutos, ou seja, tudo. É usada industrializada junto com juá para fortalecer cabelo, estimular o crescimento e a saúde dos fios. Para fins comestíveis é subaproveitada, mas há uma marca de sorvetes que usa o fruto, e você pode consultar clicando aqui. Mas ainda há um mercado potencial para sucos, licores, cachaças aromatizadas, farinhas, pães e bolos.

A minha vizinha, Amerita, a Ita, contou que na região dela, na Bahia, lembra-se dos tempos de criança, quando dos caules e cascas da árvore, cozidos, formavam uma massa pastosa usada na clarificação da garapa da cana. Em muitas regiões do nordeste e sudeste esse uso persiste até hoje. Segundo ela, após a cocção da garapa com a goma da mutamba, obtém-se um caldo claro e transparente como água, provavelmente através do processo de decantação. Talvez sirva para clarear outras bebidas, como vinho, hidromel, cervejas ou até mesmo água barrenta. Alguém já tentou esses usos?

Do fruto se extrai uma mucilagem escura, e embora sejam duros, na boca amaciam e ficam muito saborosos. O Helton, do Frutas Raras, recomenda processar os frutos e usar sua farinha aromática. Há registro em uma circular técnica da Embrapa onde é citado o uso pelos índios da América Central de uma bebida à base dos frutos triturados e água. Os frutos, ainda, podem ser armazenados enquanto secos no preparo de chás aromáticos.

Para armazenar os frutos, prefira-os secos, colhidos diretamente do pé, e seque-os ao sol por algumas horas, armazando-os em frascos hermeticamente fechados, para manter o aroma. Ou congele-os.

Como consegui trazer apenas um punhado, achei insuficiente para fazer um doce ou uma farinha, mas fiz um chá muito perfumado e um licor fantástico.

Licor de mutamba. Cor clara, perfume intenso. Uma iguaria.

Para o licor, a receita básica é 500 ml de álcool de cereais comestível 100% para 1 xícara de frutos, compondo o que se chama "macerado". Deve ficar em infusão por pelo menos 15 dias, em frasco tampado. Após a maceração, deve-se fazer uma calda de açúcar de 1 litro de água para 1 quilo de açúcar, fervendo por 20 minutos. Adicione o líquido resultante do macerado alcoólico, sem os frutos, à calda, ambos em temperatura ambiente. O licor deve estabilizar por 1 mês em local escuro.

Deixe os frutos submersos no álcool para extrair os aromas.
Após o preparo desse licor, posso afirmar que é uma iguaria. É uma pena que não seja produzido em larga escala, porque teria aceitação imediata no mercado nacional e internacional, barato, fácil de preparar, delicioso e sui generis.

Está na lista de pendências: moer os frutos, peneirar e usar a farinha para fazer bolo ou biscoitos. Alguém já tentou, tem alguma sugestão de uso?

terça-feira, 3 de novembro de 2015

Para agricultores ansiosos: Germinações rápidas?

Sempre fui uma pessoa ansiosa, o que pode ser um defeito enorme para quem cuida de plantas. O ápice do meu auto-controle foi quando me encantei por cactos e suculentas, que crescem muito, mas muito lentamente. A maior parte dos meus cactos não cresce mais que 0,5cm por ano, e algumas suculentas não passam de 5cm por ano. Então, dá a impressão de que eles não crescem nunca, porque as variações demoram muito pra acontecer. Mas vendo fotos delas de 2 ou 3 anos atrás, dá pra sentir diferença, sim.

Outras plantas já crescem maravilhosamente rápido, como as plantas da família do repolho e do rabanate, as brassicáceas. Os rabanetes podem ser colhidos em poucas semanas, porque crescem espantosamente rápido. Se você tem preguiça de começar uma horta, comece por rabanates - os resultados são estimulantes!

Dentre as plantas de crescimento rápido, temos a mostarda, que vira um arbusto enorme em poucas semanas. O coentro cresce rápido na época da floração, a rúcula forma touceiras rapidinho. Dos feijões, então, é assustador. O feijão de lima (ou fava) e o feijão escarlate (ou feijão da espanha) chegam a crescer mais 5cm por dia até chegarem a idade adulta. Faça as contas, em uma semana eles crescem mais de um palmo.

O cará-moela chega a crescer dois palmos por semana, assim como o caruru-do-reino em época de crescimento. Outro recordista na horta é o feijão orelha-de-padre, que passa as primeiras semanas lento, depois espicha e ramifica com facilidade.

A germinação pode ser muito rápida ou muito lenta, dependendo da espécie (consideraremos germinação até o momento em que aparecem as primeiras folhas). Das sementes, os feijões são recordistas na germinação: não é a toa que são brinquedo de criança, feijão-no-algodão. Germinam em dois dias. A maior parte das verduras germina entre 5 e 10 dias: alface, rúcula, escarola, almeirão, acelga, repolho. As apiáceas, a saber: cenoura, salsinha, coentro e cominho, demoram um pouco mais - sua germinação pode chegar a 20 dias. 

Algumas plantas, contudo, podem ter sua germinação acelerada. Para isso, precisamos entender: o que é germinação. Germinação é quando a semente, que estava adormecida, é hidratada e tem sua atividade metabólica "ativada". Ela absorve água, um processo chamado de "embebição", onde ocorrem uma série de reações químicas através de enzimas e hormônios. Sim, tudo isso acontece dentro de uma semente, desde um pequeno gergelim até o caroço do abacate!

Algumas sementes possuem capacidade natural de reforçar a embebição, como as sementes da família do alecrim: sálvia, shissô, alfazema, manjericão, mentas, poejo. Todas elas ao entrar em contato com a água desenvolvem uma membrana feita de gel que "segura a hidratação". Por essa mesma razão, são sementes que toleram ser plantadas sem serem enterradas, só apertadas contra a superfície. Aliás, especialmente para o manjericão, faça o teste: sementes não enterradas germinam melhor. No caso, a semente do manjericão precisa receber luz pra germinar. As do alface, pelo contrário, só germinam em completa escuridão.

Como acelerar esse processo? No solo, as vezes a umidade é baixa, então a semente demora para hidratar. Como vimos que é a água que "desperta" a semente, a mais simples água pode ser usada. Deixe as sementes de molho até que inchem. Isso fica bem visível com os feijões e as ervilhas - pode levar de 2 a 12 horas. É uma técnica especialmente boa para sementes duras. Como saber se a semente é dura? Tente quebrá-la no dente. Se ela se parte com facilidade, não necessita de hidratação. Se ela não se parte com facilidade, deixa de molho pode ajudar a acelerar os resultados.


Olha só como os feijões orelha de padre hidrataram rápido!

Diferença entre um feijão plantado com embebição e sem embebição. A germinação em geral demora de 6 a 12 dias sem embebição. Com embebição, no quarto dia a semente já está saindo da terra! As sementes que gostam de ficar na água para brotarem mais rápido: feijões, ervilhas, lentilhas, grãos de bico, guandu, bertalha, jacatupé, moringa, feno grego, girassol, crotalária, mostarda, repolho...

Dica: não espere a semente germinar de fato, porque a raiz é muito delicada e não deve ser manuseada. A semente inchada já é suficiente pra ir para a terra.

No jardim e na horta, algumas raízes podem ser hidratadas antes de ir pra terra. Das flores, os bulbos de dahlia brotam rápido apos passar algumas horas na água. Isso vale para tupinambos, cúrcuma, cará-moela, gengibre, alho, cebola, bertalha ou qualquer outro bulbo, batata ou rizoma que esteja ressecado ou murcho por ter passado muito tempo longe da terra. Depois, só plantar!

Espero que ajude, pelo menos na germinação, os hortelões, jardineiros e agricultores que são tão ansiosos quanto eu!

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