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domingo, 10 de maio de 2015

Mamão verde, na moqueca.

Não sei se já contei, mas passo mais da metade do dia pensando em receitas. É uma coisa meio obsessiva, a ponto de ter que levantar de madrugada para anotar um prato que me ocorreu num sonho - fora as vezes que não consigo dormir e tenho que levantar pra preparar a bendita receita. De fato, eu cozinho bastante em casa, mas como nem tudo é PANC, guardo as receitas para mim. Essa, no caso, leva um uso não-convencional para o mamão verde: como legume.

Conversando com minha fiel escudeira de oficinas Clarissa Pires, que contou-me de uma moqueca maravilhosa que inventou esses tempos, despertou em mim a curiosidade de prová-lo. Como ela não me passou receita, fiz a olho, mas como principal fio condutor tivemos o mamão verde.

Às vezes uma fruta pode ser usada como legume.

Pois é, já deve ter ouvido falar do mamão verde em doces e compotas, mas seu uso como legume ainda é pouco comum. Ralado, cru, em tiras finíssimas, compõe saladas fantásticas, sendo um prato muito popular na Tailândia, chamada som tum. Para minha surpresa, o sabor lembra muito o da abobrinha, e não tem nada de fruta, de doce ou de perfume. Crocante igual maçã, de sabor suave e levemente ácido. Como não pensei nele antes?

A casca deve ser verde, ele deve estar duro e a polpa ainda deve estar branca e crocante. Acho improvável você conseguí-lo nesse estado de maturação em algum mercado, mas pode pedir para algum vizinho ou mesmo para o produtor. Algumas receitas o usam já mais maduro, levemente rosado, como nessa aqui.

Lá em casa temos um mamoeiro cujos mamões não são muito bons - ele apodrecem antes de amadurecer, porque estão muito altos para serem cuidados e alguma praga estranha está acabando com eles. Porém, verdes, estão lindos e suculentos, e a produção é abundante, então é hora de comer mamão verde. 

Ele solta esse látex, que precisa ser lavado.

Antes da receita, falemos dos benefícios para a saúde. Primeiro, ele é um legume pobre em calorias e rico em propriedades medicinais. Possui vitaminas e minerais como magnésio, cálcio e potássio, mas não possui o betacaroteno, que lhe confere a cor laranja quando maduro. Contém teores altos de carpaína, uma substância bactericida e antiinflamatória que ajuda a regular a flora intestinal, melhorando e fortalecendo a nossa imunidade. Tem ainda enzimas proteolíticas que ajudam na digestão, sendo ideal para acompanhar pratos pesados com leguminosas ou carnes. Ajuda a proteger o fígado e de quebra fornece uma dose extra de fibras e amido insolúvel, ajudando quem tem intestino preso. Ainda, possui uso externo, para tratar úlceras crônicas e como coadjuvante em tratamento de feridas - é bactericida e suas enzimas ajudam a remover a pele morta, auxiliando a limpar o local e estimulando uma cicatrização sadia. 

Para preparar, é simples. Descasque-o como se fosse uma batata, tendo o cuidado de remover a casca verde. As sementes podem ser retiradas opcionalmente - eu não gosto do sabor. Deve ser picado no tamanho desejado e deixado de molho em água com algumas gotas de vinagre para remover qualquer sabor amargo residual - a casca solta um látex branco que pode alterar o sabor do prato.

Depois de descascado, pode ser usado como legume.
Caso esteja levemente amargo, água com vinagre
vai deixá-lo perfeito.

A partir desse processamento, pode ser consumido cru, na salada, ou usado no lugar da abobrinha e do chuchu em sopas, tortas, refogados, omeletes, suflê. Cortado fininho fica bem gostoso com cenoura ralada. No suco verde fica neutro e serve de base para qualquer sabor, e é uma alternativa à maçã, que dificilmente não tem agrotóxicos (isso é, se você colher seu próprio mamão orgânico, porque possivelmente não vai colher a sua própria maçã orgânica nesse país tropical). Cozido e temperado com azeite e sal fica ótimo também, um substituto do chuchu, porém mais firme depois de cozido.
Para doces, pensei em cubinhos cozidos no arros doce, ou transformado em geléia, purê, compota... É uma boa opção para fazer render compotas quando temos poucas frutas ou ela é muito forte - como fazer uma geléia de gravatá, que é muito forte, mas pode ser suavizada com o mamão. Ou ainda com cascas de jaboticaba, de pétalas de rosas.... teste e me conte.

A receita que fiz não é exatamente uma moqueca - ela tem a base de sabor das sopas tailandesas, à base de leite de coco, gengibre, coentro, erva-cidreira e limão. Parece bizarro, mas essa combinação explode na boca! Como eu tinha cará-moela roxo em casa, o usei, mas você pode usar qualquer outro legume rico em amido, como batata, inhame, cará ou mandioquinha.

Moqueca de mamão verde ao tempero tailandês


Legumes cozinhando. O cará-roxo soltou tinta e deixou a
 receita colorida, mas o tradicional é ter um caldo bem branquinho.

Sirva com pimenta e uma folhinha de coentro.
 Eu usei manjericão tailandês e pimenta vermelha em pó,
para paladares picantes.
Ingredientes:

1 mamão verde, sem casca nem sementes, em cubos
1 cebola grande, em cubos pequenos
1 cenoura média, em cubos
1 cará-moela roxo, em cubos (pode ser batata, inhame ou cará)
2 cm de gengibre ralado (ou raiz de galanga, caso tenha em casa)
2 alhos grandes, espremidos
2 folhas frescas de capim-santo
5 colheres de sopa de coentro picado
suco de 1 limão
500 ml de água
castanha de cajú a gosto
1 colher sobremesa de açúcar
1 pimenta suave em rodelas (opcional)
1 garrafinha de leite de coco
sal e óleo a gosto

Preparo

1 - Prepare o mamão, descascando-o, cortando em cubos e deixando de molho por 1h. Descarte a água.
2 - Pique todos os ingredientes, mantendo os legumes com o tamanho parecido, para o cozimento ser uniforme.
3 - Numa panela grande, adicione um fio de óleo e refogue cebola.
4- Assim que estiver transparente, adicione o alho e o gengibre. Adicione a água, o capim santo, 3 colheres de coentro, a cenoura, o cará-moela e o sal e cozinhe por 5 minutos em fogo baixo.
5 - Quando os legumes começarem a amaciar, acrescente o mamão verde, o leite de coco, o suco de limão, o açúcar e misture. Tampe a panela.
6 - Deixe ferver lentamente para que os legumes amaciem e cozinhem. Se faltar caldo, adicione mais água. Se estiver com muito caldo, deixe aberta para secar um pouco.
7- Um pouco antes de desligar, com o caldo ainda borbulhando, adicione o resto do coentro, castanha de caju torrada e a pimenta. Corrija o sal. Se desejar, acrescente mais limão. Enfeite com rodelas de pimenta, coentro ou cebolinha.

Pode ser servido como prato único, porém combina divinamente com arroz integral e legumes grelhados ou couve-flor empanada e frita, ou ainda acompanhando um pão indiano naan quentinho com manteiga.

3 comentários:

  1. Hummm deve ficar muito saborosa!
    Esses tempos nossa diarista comentou que a mãe fazia peixe no leite de coco com mamão. É o prato oficial na Páscoa na família dela até hoje!

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  2. Já comi essa salada de mamão verde tailandesa. O curioso é que o mamão é originário da América do Sul, mas no Oriente ele tem usos mais variados que aqui.

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  3. eu aproveito a casca pra fazer o bioinseticida da Neide Rigo (https://come-se.blogspot.com.br/2013/09/pulgao-ao-suco-de-folha-de-mamao-verde.html)...os sólidos que ficam na peneira eu incorporo em algum quitute doce ou salgado a ser cozido... e descobri que o bioinseticida tambem afasta insetos (moscas, formigas), excelente pra se ter à mão na cozinha!

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