Ela me mandou uma foto de "o que é o que é", de algo que parecia uma vagem ou algo do tipo, grelhado, enfileiradas num prato. Fiquei curiosíssimo, e recebi apenas uma dica: "it's a flower". Não foi difícil encontrar do que se tratava. Era o lírio amarelo, ou daylily, muito comum lá e aqui.
Ele é belíssimo, superfácil de cuidar, barato para comprar mudas e muito gostoso na cozinha. É uma daquelas plantas que ficam entre o jardim e a horta, porque é ornamental e plenamente comestível. E vou te falar, o sabor surpreende, é complexo. Já estou imaginando uma porção de pratos chiques feitos com elas.
Primeiro, um aviso. Lírio é um nome muito comum, então fique de olho aberto. Nada de comer aqueles lírios bulbosos, ornamentais. Os mais comuns, e venenosos, são da família Liliaceae, do gênero Lilium. Estamos aqui falando do lírio-amarelo da família Xanthorrhoeaceae, o Hemerocallis. Ele é muito usado em paisagismo urbano e dá bastante flores entre setembro e março.
Lírio venenoso: note as folhas saindo das astes. |
Hemerocallis: folhas compridas igual capim. Comestível. |
As diferenças: os lírios venenosos tem folhas que partem ao longo de toda aste floral, possuem bulbo e as flores duram vários dias. Os comestíveis tem todas as folhas saindo do chão, igual a cebolinha; não possuem bulbos grandes e só duram um dia. Aliás, é a razão de seu nome: daylily. Antes de consumir procure fotos, tenha certeza do que está consumindo.
Botões de todos os tamanhos e maturações: iguaria. |
A espécie mais consumida é a Hemerocallis fulva, a de flores alaranjadas. Consta que a de flores amarelas, a Hemerocallis flava é consumida também. Aliás, foram as que eu usei aqui. Os Hemerocallis formam híbridos complexos, e pode ser de praticamente todas as cores. Como não há um estudo com cada variedade, fique com as espécies principais, só. Mais uma vez, em caso de dúvida, fique no lado mais seguro. A seleção genética privilegia flores mais bonitas, e não necessariamente variedades mais ou menos comestíveis.
Consultando a bibliografia em português, é dito que o lírio-amarelo pode ser consumido com moderação pela ausência de estudos bromatológicos sobre ele. Mas conversando com quem provou, descobri uma coisa. Eles podem ser muito alergênicos, especialmente para pessoas sensíveis. Então fica aqui o alerta.
Dos amigos e familiares que provaram, todos gostaram e nenhum teve problemas. Contudo, há relatos de reações ao consumo da planta (enjoo, vomitos, sensação de barriga estufada, diarréia). Comece com moderação.
Dos amigos e familiares que provaram, todos gostaram e nenhum teve problemas. Contudo, há relatos de reações ao consumo da planta (enjoo, vomitos, sensação de barriga estufada, diarréia). Comece com moderação.
De comestível, ele é quase todo: as folhas podem ser cortadas fininho e usadas no lugar da cebolinha; os botões florais podem ser refogados ou cozidos, com sabor entre vagens ou aspargos; as flores abertas podem ser consumidas cruas em saladas ou mesmo recheadas; e as raízes ligeiramente espessas podem ser consumidas, tem sabor entre a vagem e o milho verde.
Na Ásia, de onde é nativo, é plenamente consumido, especialmente na China e Vietnam. Se quiser receitas, há umas boas aqui (em inglês). Se quiser mais inspirações procure por edible daylily ou daylily recipes, os resultados são infinitos. Em português, só há relatos de uso em saladas. (Estou me sentindo pioneiro, agora, hehe).
Na Ásia, de onde é nativo, é plenamente consumido, especialmente na China e Vietnam. Se quiser receitas, há umas boas aqui (em inglês). Se quiser mais inspirações procure por edible daylily ou daylily recipes, os resultados são infinitos. Em português, só há relatos de uso em saladas. (Estou me sentindo pioneiro, agora, hehe).
A planta é facílima de ser encontrada - especialmente em paisagismo urbano. Aqui em São Paulo, no Ibirapuera, há uma infinidade deles margeando os lagos.
Das flores, os botões são deliciosos feitos salteados na manteiga, como se fossem vagem. Aqueça a frigideira com gotas óleo ou manteiga, coloque as flores e deixe alguns minutos de cada lado, até corar. Depois, adicione água aos poucos, algumas colheres por vez, para interromper a "fritura" e passar a cozinhar. Repita mais duas vezes, salgue e está pronto, simples assim. As pétalas são macias e a base do caule tem gosto que lembra aspargos. Os botões pequenos são mais crocantes e carnudos, mas o rendimento é menor. De qualquer forma, eu achei deliciosos e imagino pratos caríssimos tendo-os de acompanhamento.
Salteie na frigideira quente até dourar. |
Adicione colheres de água para finalizar o cozimento. |
Das folhas, use as menores e mais próximas do broto, assim como se usa cebolinha. Mais velhas ficam fibrosas e eu não gostei. Picadinhas, refogadas, no arroz, farofa, sopa, salada....
Das raízes, algumas variedades tem essas reservas mais espessas, algumas chegando na largura de um polegar. As minhas não estavam tão gordinhas, mas fiquei curioso de provar. Você notará que há dois tipos de reservas: as pretas e as brancas. As pretas são velhas, esponjosas e amargas, mas as brancas são crocantes e saborosas. O problema: é preciso descascar, achei a pelinha meio grossa. Mas se feita em rodelas, talvez não precise. Cozinhei inteiras em água salgada, e o sabor é de fato muito bom. Resta saber como encontrar a variedade com túberas maiores, que valham a pena o trabalho. Mas que é comida, é sim.
Flores e batatinhas. |
Raízes misturadas com batatinhas. Não, não são minhocas. |
Talvez eu tenha dado azar, mas na internet há fotos de cozinheiros que encontraram bulbinhos bem mais consistentes que os que eu achei.
Foto daqui. |
foto daqui. Tem receitas de bolo até! |
As flores abertas podem ser usadas recheadas, da mesma maneira que se faz com as flores da abóbora. Uma mistura de batatas com queijo, talvez alguma carne moída, fica a seu critério a criatividade.
Outras idéias, inspiradas daqui:
- Usar as pétalas como suporte para canapés
- Usar as pétalas cruas em saladas
- Usar as flores abertas como como ou suporte comestível para guacamole, frijoles refritos, creme de ricota, espinafre refogado com queijo
- Usar os botões para fazer picles
- Usar os botões como alcaparras
- Usar os botões no lugar de aspargos
- Usar as flores empanadas, como tempurá
- Usar as flores picadinhas, em bolinhos fritos
- Usar as flores abertas para dar cores a sopas e patês
- Usar os bulbinhos cortados fininho e salteados com cebola e azeite
Essa eu já provei e amei! Muito surpreendente…tão comum e nunca antes comida rsrsrs! Vale demais! Adorei as sugestões de uso! Obrigada!!!!
ResponderExcluirAdorei saber disso marvilhoso amanhã mesmo vou procurar mudas
ResponderExcluirCada dia mais sua página me surpreende e me dá vontade de aprender mais ainda. Parabéns. (vou reparar melhor no Pq. Ibirapuera dessa vez!)
ResponderExcluir"unconventional edible plants" ou "non-conventional edible plants". Outro termo que se usa, especialmente em contextos de alimentação alternativa e sustentável, é "wild edible plants" (plantas selvagens comestíveis), que abrange PANCs que crescem espontaneamente e não são amplamente cultivadas.
ExcluirMuito interessante! Você sabe qual termo é usado em inglês para "plantas comestíveis não convencionais"? Procurei e não encontrei termo equivalente. Parabéns pelo blog! Obrigada!
ResponderExcluirOTIMAS INFORMAÇOES GRATO
ResponderExcluirEU JA FIZ PÉTALAS DE ROSA MEXIDAS COM OVOS UMA DELICIA
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirola, vendo o documentario na netflix "A origem do sabor" tem um episodio exclusivamente sobre lirios e inclusive eles mostram os chineses comendo o lírio que possui bulbos.... e se observar bem eles mostram-os consumindo as folhas da espécie que vc cita como venenosa ( percebe-se claramente pelas folhas, como vc citou, que nascem no tronco/haste do lírio). e mostram tbm eles consumindo o bulbo do lírio. agora fiquei intrigada sobre o assunto. se assistir o documentário, fiquei interessada em saber mais.
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