O milho aqui de casa é o da direita. Os demais, da feira boliviana Kantuta. Cada um com um sabor. Todos não-transgênicos. |
No meio do ano, ganhei do pessoal do Etinerâncias (Valeu, Gabriel e Raissa!) um punhado de milhos coloridos, crioulos. Foram para a terra e o resultado foi uma boa colheita. Deram pés altos e levaram quase 6 meses para maturar, um trabalho de paciência e cuidado. O legal é que plantei só milhos vermelhos e cada um deu uma espiga de uma cor.
Fiquei com dó de colher ainda imaturos, verdes, porque as cores mais bonitas ainda não haviam se manifestado - eram iguais a qualquer milho de mercado àquela altura. Quando maduros, secos, são brilhantes, coloridos, rajados, com a testa amarela e a palha rosa se revelam. Uma lindeza só, que ficou decorando meu quarto nesse janeiro chuvoso.
Separei algumas espigas, especialmente as maiores e mais coloridas, para replantar ano que vem. O segredo é debulhar apenas a porção central dos grãos, porque os grãos das pontas tende a dar pés geneticamente inferiores, mais fracos. De cada espiga, então, salvei 10% para plantar e o restante for debulhado. E fiquei olhando para quele milho colorido, translúcido, hipnotico, sem saber ao certo o que fazer.
Os milhos lá de casa: variabilidade genética grande, indicando que não é híbrido. Bom sinal. E a coragem de debulhar? |
Guilherme e seus milhos. |
Do milho seco se faz canjiquinha, fubá, farinha, amido. Mas tudo isso exige, se não uma tecnologia específica, uma boa dose de esforço, conhecimento e mão de obra. Da colheita, apenas dois quilos, achei que todos os processos seriam demais trabalhosos para fazer qualquer coisa. O que fazer com esses dois quilos de milho?
Por acaso, estive na feira boliviana e comprei mais alguns milhos coloridos - o mote vermelho e o mote branco, e um milho morado, todo sarapintando de azul e roxo, coisa mais linda desse mundo. Esses milhos, como já falei aqui no blog antes, são usados para sopas e muitas vezes, são cozidos e depois fritos, virando um petisco crocante sensacional.
Decidimos por tortilla (pronúncia: tor-ti-lha) - é fácil de fazer, exige milhos secos inteiros, e são fáceis de congelar. É preciso, nessa ordem: cozinhar o milho com cal virgem (aquela para doce), enxaguar, processar (usei um moinho de grãos, mas o processador funciona muito bem), temperar e fazer bolinhas, prensar e passar na chapa. Parece trabalhoso, mas compensa, especialmente se você fizer de cara muitos quilos de milho. Afinal, se for sujar panela e gastar energia, que renda bastante.
Chame a família para cozinhar junta! |
Prensa de madeira, emprestada da Letícia. Valeu Lê :) |
Rápidos e eficientes, a produção foi seriada. |
As tortillas são comumente associadas à culinária mexicana, mas estão presentes em diversas culturas latinas, baseadas em milho, embora algumas levem outros cereais e até mesmo feijões. Consistem em pães chatos, arredondados, não fermentados, feitos com milho cozido na cal - um processo chamado de nixtamalização, que libera vitaminas, amacia o milho e dissolve sua casca grossa. E sem falar do sabor - ao ferver o milho na água de cal, na hora sobe um perfume misterioso e indescritível, que dá vontade de mergulhar na panela. Delicioso e simples, daqueles sabores rústicos e maravilhosos que surpreendem por envolver tão poucos ingredientes.
Pois bem, come-se as tortillas com qualquer recheio - eu gosto de acompanhar com salada de abacate, ou queijo, ou queijo com cebola caramelada, mas pode incluir pasta de feijão, carne ao molho, legumes ao molho e até frutas. Tudo combina, igual pão. Com o detalhe de ser mais nutritivo e riquíssimo em fibras, portanto, com menor índice glicêmico.
Os nachos, por sua vez, são as tortillas cortadas em pedaços menores, fritos em óleo fervente. Se quiser fazer igual o famigerado doritos, passe-o ainda quente numa mistura de sal, colorau, orégano e páprica. Fica tão maravilhoso que você só vai parar de comer quando acabar. Eis a razão para não teros tirado fotos: não deu tempo,
Dos milhos, achei o milho azul pequeno mais fácil de preparar: cozinha mais rápido, dá uma massa mais elástica e é bem rápido de moer. Os milhos do quintal, em compensação, demoram muito para cozinhar mas tem um sabor incrível. Os milhos mote branco e vermelho demoram para cozinhar, dão uma massa elástica e de sabor adocicado. Se quiser tortilla coloridas, como mostro a diante, cozinhe-os separado e misture as massas na hora de prensar.
A receita:
1kg de milho não transgênico
1kg de milho não transgênico
20gr de cal culinária (vende em loja de doceria e material para construção)
3 litros de água
Deixe o milho de molho por 6 horas com a água. Adicione a cal, dissolva bem e leve para ferver até estar macio e mastigável. No começo, o milho muda de cor, mas depois retorna quase à cor original. Tons muito vermelhos ficam vinho, e os azuis, ficam arroxeados. O aroma fica incrível.
O milho roxo levou 40 minutos em fogo médio, o vermelho e branco uma hora e o do meu quintal, uma hora e meia. Deixe esfriar, complete novamente com água e deixe de molho por pelo menos 8 horas (faça na noite anterior). Você vai notar que a água está gelatinosa - é a casca grossa que se dissolveu e virou um gel. Descarte a água.
Depois, é lavar bem, processar (usei moinho de grãos, mas processador dá super certo), temperar com sal - se preciso, adicione borrifos de água para a massa dar liga, faça bolinhas e abra com uma prensa ou com um rolo de macarrão entre duas superfícies antiaderentes (usei sacos plásticos). Passe em uma frigideira ou chapa quente só para dourar e está pronto! Pode ser congelado - precisa ser chapeado antes, ou vai quebrar todo - é o calor que dá a liga.
O meu milho eu processei rusticamente, mas poderia ter batido ainda mais para uma massa mais fina e mais elástica. Isso só interfere no aspecto final, mais tosco, mas o sabor continua sensacional. Perdoem-me, mexicanos.
Massas de milho coloridas, já processadas. |
Tortilla de milho azul e milho crioulo colorido. |
O milhos que originaram as tortillas acima. |
Tortilla de milho azul recebe recheios antes de ir para a chapa. Delicioso! |
Guilherme, estou ansiosa pra colher meus milhos... um tanto pra semente e outro pra virar tortillas. Em outro post vc disse q esses milhos diferentes vindos de fora nem sempre se adaptam bem por aqui, plantei milho preto vindo do Peru e eles já estão crescidinhos, esperar pra ver. Abç.
ResponderExcluirValéria, nunca tentei o roxo, mas os azuis e os gigantes o pé fica bonito e floresce, mas assim que começa a formar a espiga ou tomba ou seca. Não descobri o porque ainda! Abraços
ExcluirParabéns Gui! Lindo. Precisamos falar sobre os javaporcos.... :(
ResponderExcluirGuilherme, passei pra contar sobre o milho preto do Peru. Consegui alguns pés, mas eles são menores que os daqui, e algumas espigas, vou deixar secar pra usar como sementes. abraços
ResponderExcluirFico feliz que tenha conseguido! Trouxe algumas sementes de lá - notei que os pés são realmente baixíssimos, com menos de 1m de altura. Será por causa da altitude? Espero que consiga também. Depois te conto!
ExcluirDar para fazer sem o cal?
ResponderExcluirGente... esse cal é aquele comum? Que pedreiro usa pra pintar casas?
ResponderExcluirOlá Guilherme! Puxa, que maravilha encontrar seu blog (aliás, saudades de quando as redes sociais eram os blogs). Sempre fui aficcionado por plantas e plantar. De uns tempos pra cá eu tenho ficado mais presente no sítio e tenho direcionado as ideias para a agroecologia, reflorestamento da mata aqui, as pancs... além do que tbm adoro cozinhar, então já viu né... Mas meu comentário, além de parabenizar, é pra perguntar se você sabe onde posso conseguir algumas sementes de milho crioulo pra plantar aqui, ou se você teria, enfim, mais uma dica mesmo! Sou de MG. Abraços!
ResponderExcluirBoa noite. Estou procurando o mho colorido para cozinhar. Onde posso comprar?
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