Páginas

quarta-feira, 2 de julho de 2014

Maria Pretinha, uma berry PANC

Nos tempos que estive viajando descobri que existe uma infinidade de berrys. E nem estou falando da gojiberry, que bizarramente virou uma moda alimentar - quem esqueceu do óleo de coco, da farinha de maracujá e da terrível ração humana?

Lá fora, especialmente em confeitaria, os europeus adoram uma berry. Berry é, por definição, uma fruta carnosa produzida por um único ovário. Isso inclui, botanicamente falando, os abacates, as abóboras e as pimentas. Ou seja, se nos ativermos a nomenclatura científica, as coisas perdem um pouco de sentido prático.

Vamos então mudar a definição para um sentido gastronômico: berry é qualquer fruto carnoso de tamanho pequeno. Daí incluimos as frutas em forma de drupa, as frutas agregadas... E temos framboesa, morango, mirtilo, groselha, amoras...

Das famílias botânicas, especialmente no Hemisfério Norte, temos principalmente Rosaceae (amoras, morangos, framboesas, rosa canina) e Ericaceae (mirtilos, cramberry) e Grossulariaceae (gooseberry, groselhas). A maior parte delas, plantas de clima frio. Aqui no Brasil, e especificamente em São Paulo, vendidas por um preço absurdo (100gr R$15,00).

Tirando o fato de termos uma flora exuberante, dezenas de gêneros científicos e uma enorme biodiversidade, não seria legal termos nossas próprias berries?

Aqui, embora nativa da Ásia, temos a amora de árvore (Morus nigra). Não podemos esquecer das nossas frutinhas do gênero das Mirtáceas: pitanga, cereja do rio grande, jabuticaba, cambucá, cambuci, uvaia, gabiroba, grumixama. E a calabura, uma Muntingiaceae. E nossos coquinhos e palmas, açaí, jerivá, jussara.... Todas, porém, frutos de árvores - o que inviabiliza um pouco quem não tem um quintal muito grande ou quer produzir em pouco tempo.

Tudo isso para dizer que existem duas frutinhas, que seremos chiques chamando de berry, que nascem espontaneamente e crescem muito, muito rápido. Uma dela já foi descoberta pelo mercado, já ficou cara, já ganhou nome estrangeiro - e ficou mais inacessível. Claro, a fisális, conhecida aqui antes como juá-de-capote. E temos várias espécies! Frutas amarelas, alaranjadas, vermelhas, arroxeadas... Cada uma com seu sabor próprio, todas muito lindas e gostosas.

Faça a experiência. Se um dia ganhar uma simples frutinha, tire as sementes e plante. Garanto que você vai ter frutas por um bom tempo, basta replantar.


Flores da Maria Pretinha


Há uma outra berry, que já gosto só pelo nome. "Maria pretinha". As frutinhas da Solanum americanum estão por toda parte. Bolinhas pretinhas presas em cachinhos. Fácil de identificar: parece um pé de pimenta, e as flores parecem de pimenta, de batata, de tomate... Aquele formato clássico do genero "Solanum", inconfundível .É rústica e não precisa de muitos cuidados. Gosta de solo fértil, vai bem em pleno sol ou meia sombra e não é muito exigente quanto à umidade, desde que não fique seca por muito tempo.

Não há dúvidas de que há plantas comestíveis e úteis na família solanaceae. Mas da mesma forma, a maior parte das plantas do grupo são venenosas. Os frutos são comestíveis, mas as folhas, não. Não é uma regra, mas veja: jiló, pimenta, berinjela, pimentão, tomatillo, tomate. Todas frutas comestíveis da família das solanáceas. Nenhuma delas tem as folhas comestíveis. Coincidência? 

A planta tem aparência delicada e as folhas tem um cheiro amargo, ruim. Elas brotam o ano todo, especialmente na primavera, e dão frutos incessantemente. Em geral, nascem em colônias, porque uma semente cai e dá origem a novas plantas nas imediações, e assim vai. Pode chegar a 1m de altura, mas geralmente é mais baixa, com no máximo meio metro. Vale lembrar que é uma planta cosmopolita, e plantas da mesma espécie podem ser ligeiramente distintas entre si.

As frutas são comestíveis, DESDE QUE MADURAS, nunca verdes. Verdes são amargas, ricas em alcalóides e portanto, venenosas. A Maria Pretinha é uma planta fácil de identificar. Contudo, em algumas localidades, pode ser confundida com a erva-moura, Solanum nigrum, e com a Solanum ptycanthum, ambas espécies similares.

A Solanum nigrum é tóxica quando madura, se consumida crua. Porém, diversos autores apontam seu consumo cozida enquanto geléia. Acredito que precise ser muito bem cozida. Em caso de dúvida, se não consegue identificar as espécies, transforme-a em doce, compota, geléia ou xarope que seu consumo será seguro. Por sorte, a Solanum nigrum é menos comum no Brasil, mas possui diversos registros de ocorrência no Sul e Sudeste.

Segundo alguns autores, inclusive o Prof Lin Ming, da UNESP de Botucatu - SP, relata que as folhas da Solanum americanum são consumidas na África, muito bem cozidas, como hortaliça. Recentemente tive a oportunidade de prová-las e são saborosas, mas ainda tenho receio em consumí-las. Como saber o quanto de cozimento é preciso para destruir as toxinas? Na dúvida, evite. Mais sobre relatos de consumo aqui e aqui.


Maria pretinha, numa calçada no bairro da Lapa.
Como diferenciar? Para consumir, a planta precisa atender a TODOS OS CRITÉRIOS A SEGUIR:

Solanum americanum  Solanum nigrum
COMESTÍVEL VENENOSA (crua)
Frutos brilhantes Frutos Opacos
Frutos rajados quando amadurecendo Frutos mudam de cor gradualmente
Frutos ligados num único ponto, que é ligado ao caule Frutos ligados diretamente ao caule, porém próximos entre si
Folhas pouco serrilhadas Folhas muito serrilhadas
Sementes pequenas Sementes médias
De 40 a 110 sementes De 15 a 60 sementes
Folhas verdes na parte inferior Folhas verdes ou avermelhadas
Caule com poucos pelos Caule com muitos pelos
Sépalas não aderem ao fruto Sépalas aderem ao fruto

Maria pretinha. Frutos verdes são salpicados de branco.
As folhas são pouco serrilhadas e parecem de pimenteira.
Os frutos maduros são brilhantes.
 Todos eles são ligados por um cabinho,  unindo-se
num único ponto, ligando-o a planta.


Erva Moura. VENENOSA quando crua, comestível se cozida.
 As folhas são muito serrilhadas.
Os frutos maduros são opacos.
 Todos eles são ligados por um cabinho, mas não se fundem
 num único ponto, igual a um cacho de uvas.
Informações Gastronômicas
  • O sabor não é muito forte na baga crua. Contudo, após ser cozida, o sabor lembra geléia de uva ou mirtilo. Não tem muita pectina, fica uma geléia rala.
  • Doce/suave.
  • Frutos imaturos são amargos e tem gosto de pão mofado.
  • Frutos maduros são doces, pouco ácidos, com gosto suave de amoras.
  • Folhas NÃO são comestíveis.
  • Frutos podem ser usados em bolos, tortas, geléias e vitaminas.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...